Por Petronio Portella Filho*
06/01/2020
Quando vivo, Papai era como um cristal precioso em local vulnerável da casa. Nós sabíamos que um dia ele iria cair e quebrar. Papai era fumante, sedentário, cardíaco e levava vida estressante.
Mesmo assim, ninguém da família estava preparado para perdê-lo tão cedo. Ele se foi, de forma repentina, exatamente 40 anos atrás. Estava no auge da carreira política.
Difícil esquecer o Dia de Reis de 1980. Foi como se meu pior pesadelo saísse de dentro da noite e me engolisse. O mundo, de repente, se revelou indiferente ao meu sofrimento. Nada de doloroso me seria poupado.
Vivi boa parte da vida adulta com a sensação de que algo precioso havia sido roubado de mim. Ele se foi de forma prematura demais, repentina demais. Passaram-se muitos anos antes que eu conseguisse voltar a pensar nele sem sentir dor.
Na noite anterior ao dia do meu casamento, sonhei que meu pai e minha noiva estavam em andares diferentes de uma casa. Eu queria que os dois se encontrassem para apresentar um ao outro. Mas os dois nunca se encontravam. Despertei profundamente frustrado. Eu me casei nove anos após a morte do meu pai — mesmo assim ele permanecia vivo em meus sonhos.
Alguns anos após o casamento me tornei pai. Foi como se parte dele renascesse dentro de mim. Sem perceber e nem planejar, comecei a tentar ser o tipo de pai que ele foi.
Ele foi um pai apaixonado pelos três filhos. Carinhoso sempre, disciplinador raramente. Ele sabia nos educar com leveza. E sempre deixava transparecer a adoração que tinha pelos filhos.
Prefeito de Teresina, Governador do Piauí, Senador, Presidente do Senado, Ministro da Justiça — ele jamais botou um escritório trancado entre ele e os filhos. Talvez por isto, eu nunca tenha conseguido trancar a porta do meu escritório para as filhas, mesmo quando elas estavam numa fase em que entravam e bagunçavam minhas coisas.
Papai foi um referencial de verdade e de integridade. Nunca mentiu para me agradar. Todas as vezes em que me comportei de forma errada, ele diagnosticava meu erro com diplomacia e precisão cirúrgica. Aconselhava sempre, mas não insistia. Não gostou, por exemplo, quando decidi ser economista. Mas me deixou seguir o meu caminho. Papai jamais deu a impressão de que me amaria mais se eu fosse diferente do que eu era.
Quando botei no Facebook a crônica “O Papai Noel Infeliz” muitos não conseguiram entender o meu desconforto em me fantasiar de Papai Noel. Não tenho nada contra um pai se passar por Papai Noel, acho até legal. A questão era que o meu modelo de pai jamais se fantasiaria para enganar os filhos.
Mas não pensem que ele foi um pai casmurro. Ele era espirituoso, carismático, encantador. Tinha o charme nordestino do contador de histórias. Ele sabia entreter, sabia conquistar as pessoas.
Tinha um domínio impressionante da língua portuguesa, tanto na fala quanto na escrita. Era um religioso de foro íntimo, sem proselitismo. Sabia liderar. Lutou pela Democracia nas entranhas da Ditadura. No fim, a paixão pela política abreviou sua vida.
Quando ele se foi, muitos disseram que ele seria o próximo presidente da república. Talvez sim, talvez não. Sinceramente, não precisava tanto.
A mim bastaria que ele tivesse vivido para conhecer os netos. E que Mamãe não ficasse viúva tão nova. E que as vidas das minhas filhas Bibiana e Julia — como a minha — fossem enriquecidas pelo convívio com aquele homem extraordinário.
*Petronio Portella Filho é Consultor Legislativo do Senado Federal (aposentado)
As opiniões emitidas e informações apresentadas são de exclusiva responsabilidade do/a autor/a e não refletem necessariamente a posição ou opinião da Alesfe