Marcus Peixoto, Paulo Viegas e Fabiana Soares discutem a Elaboração da Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono

Em artigo conjunto publicado no Consultor Jurídico – CONJUR, os Consultores Legislativo do Senado Federal, Marcus Peixoto e Paulo Viegas, e a professora titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, advogada e coordenadora do Observatório para Qualidade da Lei e do LegisLab, Fabiana Soares, detalharam a Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono.

Elaboração da Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono

Legislações para o desenvolvimento frutificam no contexto dos avanços tecnológicos e visam impulsionar, de modo planejado, a solução de problemas públicos, sobretudo com impactos intergeracionais. No caso, os efeitos dos combustíveis fósseis sobre a temperatura do planeta, a geopolítica da União Europeia, novas possibilidades para a matriz energética brasileira e condições geográficas favoráveis, fomentam a aposta no hidrogênio.

O gás hidrogênio (H2) possibilita a utilização da sua energia para consumo em outro local distante da sua extração. É obtido, sobretudo, a partir de processos industriais em diferentes cadeias produtivas [1], dentre eles o de reforma a vapor do metano (SMR, na sigla em inglês), a principal forma de produção de hidrogênio nas indústrias química e do petróleo.

Já o hidrogênio oriundo do processo de gaseificação do carvão decorre da conversão do carvão em gás de síntese (monóxido de carbono e hidrogênio). Um terceiro processo industrial utiliza a biomassa (resíduos agrícolas e florestais) para produzir gás de síntese, também purificado para a obtenção do hidrogênio. Por sua vez, o hidrogênio verde (baixo carbono) é gerado a partir das fontes renováveis como hídricas, eólica, solar fotovoltaica , processado via eletrólise (passagem de uma corrente elétrica por H2O, separando essa molécula em O2 e hidrogênio H2[2].

A produção de hidrogênio durante o refino do petróleo e processamento de gases pode ser considerada incidental, sendo usado para a remoção de impurezas. Pode, ainda, ser utilizado para outras finalidades, como na produção de energia ou como insumo de outros processos.

Cada cadeia produtiva tem vantagens e desvantagens no que tange a custos, eficiência e impacto ambiental para produção de hidrogênio. Desde 2010, sobretudo, nos anos de 2018 e 2019, surgiram em diversos países iniciativas governamentais e empresariais voltadas para o desenvolvimento e uso do hidrogênio para fins energéticos. Alemanha, Reino Unido, Coreia do Sul, Austrália e China lançaram políticas para impulsionar o uso do hidrogênio em setores como transporte, indústria e energia.

Em 2020, o interesse da União Europeia e os investimentos em hidrogênio aumentaram a necessidade de soluções para a redução das emissões de carbono, dependência de gás natural de sua matriz energética, enfrentamento das mudanças climáticas. Foram anunciados projetos [3] de hidrogênio verde, inclusive no Brasil [4], que podem produzir esse tipo de combustível a um custo relativamente baixo, a partir de eletricidade gerada por fontes renováveis

No Brasil, as diferentes formas de produção de hidrogênio resultam na formação de grupos de interesse nem sempre alinhados entre si, pois os diferentes processos de produção do hidrogênio têm necessidades diversas e também aplicações variadas (com fins puramente energéticos, como insumos de produção ou para fins de locomoção/transporte).

A diversidade na indústria do hidrogênio pode levar ao alinhamento ou não de diversos interesses econômicos, inclusive regionais. As questões sensíveis sobre o tema incluem: a governança regulatória; a classificação do hidrogênio (em cores ou em “rotas” de produção); a certificação do hidrogênio produzido; os subsídios requeridos (sobretudo de natureza regulatória e tributária); as formas de financiamento dos respectivos investimentos; e os impactos dos projetos com relação a questões de sustentabilidade ambiental, incluindo o uso da água. Identifica-se a ação de grupos de interesse que se organizam em função, sobretudo, do processo ou cadeia produtiva envolvidos (cadeia do gás, do etanol, e da geração de energia — hídrica, eólica ou solar fotovoltaica), ou de interesses econômicos regionais específicos.

Projetos de lei e outras frentes

No Congresso Nacional tramitam vários projetos sobre a produção do hidrogênio verde, hidrogênio de baixo carbono e hidrogênio renovável: 1) O PL 725/2022 disciplina a inserção do hidrogênio como fonte de energia no Brasil, e estabelece parâmetros de incentivo ao uso do hidrogênio sustentável; 2) O PL 3.452/2023 dispõe sobre conceito e incentivos ao uso energético do hidrogênio no Brasil; 3) O PL 4.907/2023 estabelece a definição legal, setorial e de licenciamento ambiental de hidrogênio verde; e 4) O PL 1.086/2024 altera a Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, a Lei de Licitações e Contratos Administrativos, para estabelecer margem de preferência para os modelos movidos a biocombustíveis ou a hidrogênio nas compras e locações de veículos automotores, bem como para os biocombustíveis e o hidrogênio verde nas compras de combustíveis para o abastecimento de veículos automotores. Mas há outros, e ainda mais importantes.

Na Câmara dos Deputados foi criada em março de 2023 a Comissão Especial Transição Energética e Produção de Hidrogênio Verde (Ceenerg), com 34 membros titulares e 34 suplentes. A Ceenerg apresentou, como fruto de seu trabalho, o PL 5.751/2023, que institui o marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono, dispõe sobre a Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono, seus princípios, objetivos, conceitos, governança e instrumentos, alterando a Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, a Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, a Lei nº 9.991, de 24 de julho de 2000, a Lei nº 10.438, de 26 de abril de 2002, a Lei nº 10.848, de 15 de março de 2004, Lei nº 11.508, de 20 de julho de 2007, a Lei nº 14.182, de 12 de junho de 2021. Foi distribuído às Comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS), onde aguarda relatório do Dep. Fernando Mineiro (PT-RN); Minas e Energia (CME); Finanças e Tributação (CFT) e Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

No Senado a Resolução nº 2 de 16/03/2023 chegou a criar a Frente Parlamentar de Fomento do Saneamento Básico, do Hidrogênio Verde e do Crédito de Carbono, mas a Frente não chegou a ser instalada. O Ato do Presidente do Senado Federal n° 4, de 14 de março de 2023 criou a Comissão Especial para Debate de Políticas Públicas sobre Hidrogênio Verde (CEHV).

O debate sobre hidrogênio verde teve início e continuidade, no Senado Federal com dez senadores e seu presidente o senador Cid Gomes e como relator, o senador Otto Alencar. A CEHV realizou 16 reuniões, desde quando foi instalada, em abril de 2023, até junho de 2024, das quais oito foram audiências públicas, que receberam quase 50 convidados palestrantes, de diferentes entidades dos setores público e privado.

Todas as audiências, relacionadas na página da CEHV na internet, foram transmitidas online pelo canal do YouTube do e-Cidadania. Audiências foram realizadas fora do Senado Federal, como a que ocorreu no Porto de Pecém, no Ceará.

A CEHV recebeu cinco projetos de lei para sua análise, mas que não tramitaram apensados: 1) O PL 1.878/2022 cria a política que regula a produção e usos para fins energéticos do Hidrogênio Verde; 2) O PL 1.880/2022  dispõe sobre o programa de incentivos para a produção em escala de células de combustível, aproveitando o potencial das cadeias de valor do hidrogênio, etanol e biogás (ambos de iniciativa da Comissão de Meio Ambiente — CMA, do Senado); 3) O PL 2.308/2023 (iniciativa da Câmara dos Deputados) institui o marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono; 4) O PL 3.173/2023, do senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP) propõe, o Programa Nacional do Hidrogênio Verde (Prohidroverde), destinado a fomentar a produção, distribuição e utilização de hidrogênio gerado a partir de fontes renováveis de energia; e 5) O PL 5.816/2023, de iniciativa conjunta do senador Fernando Dueire (MDB-PE), senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP), senador Cid Gomes (PDT-CE) dispõe sobre a indústria do hidrogênio de baixo carbono e suas tipificações; a sua respectiva estrutura e fontes de recursos, e altera a Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, a Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, a Lei nº 10.438, de 26 de abril de 2002, a Lei nº 11.488, de 15 de junho de 2007, Lei nº 11.508, de 20 de julho de 2007.

O PL 5.816/2023, que havia sido distribuído para análise terminativa da CEHV, recebeu 14 emendas e já em 14/12/2023 teve aprovado o relatório apresentado pelo Senador Otto Alencar (relator). Como não foi interposto recurso para apreciação da matéria pelo Plenário, o PL foi encaminhado em 28/12/2023 para análise da Câmara dos Deputados, onde foi apensado ao PL 5751/2023, acima citado. Os PLs 1878 e 1880, ambos de 2022, tiveram aprovado na CEHV parecer pela prejudicialidade, em vista da aprovação do PL 2308/2023 em Plenário. O PL 3173/2023 foi distribuído para análise da CEHV e CMA, foi encaminhado a essa Comissão, onde aguarda relatório do Senador Otto Alencar.

O mais importante dos projetos citados acima é o PL nº 2.308, de 2023, que foi encaminhado ao Senado em 1 de dezembro de 2023. A CEHV, que já vinha analisando os demais PLs originados no Senado, aprovou em 12 de junho, requerimento de votação em urgência no Plenário, apresentado pelo relator senador Otto Alencar, que em 24/4/2024, passado, já havia apresentado a primeira versão de seu relatório.

Emendas

Proposições legislativas iniciadas na Câmara que tenham sido aprovadas no Plenário devem receber o mesmo tratamento quando chegam ao final de sua tramitação no Senado, sendo analisadas pelo Plenário desta Casa revisora. Entre 3 de maio e 19 de junho foram apresentadas 42 emendas ao PL 2.308/2023 por diversos senadores, as quais foram tratadas (rejeitadas ou aceitas, integral ou parcialmente) pelo relator que as reuniu em duas novas emendas, 43 e 44, tendo apresentado novas versões do relatório.

Finalmente, em 3 de julho, a Emenda nº 45, do senador Fernando Farias, apresentada à redação final, foi acatada pelo relator e aprovada em Plenário com o Parecer nº 102, de 2024-PLEN/SF, da Comissão Diretora, aprovando a nova redação final. Em 9 de julho o Autógrafo do PL 2.308/2023 foi encaminhado à Câmara, onde foi distribuído para análise da CME, CFT e CCJC. O deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) relatou o PL em Plenário, como relator dessas três comissões, e a redação final da matéria foi aprovada, em 11/7/2024, tendo sido o autógrafo, o PL 2.308-C/2023, encaminhado à sanção presidencial em 16/7/2024 por meio da Mensagem nº 31/2024.

Disposições

Pela ementa do PL, em 40 artigos, este institui o marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono; dispõe sobre a Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono; institui incentivos para a indústria do hidrogênio de baixa emissão de carbono; institui o Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Rehidro); cria o Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC); e altera as Leis 9.427, de 26 de dezembro de 1996, e 9.478, de 6 de agosto de 1997.

Há que se aguardar a sanção total ou parcial (com vetos) pelo Poder Executivo, cujo prazo é de 15 dias úteis, contados do recebimento da mensagem, ou seja, até 6 de agosto de 2024. Após a publicação da lei no Diário Oficial da União pela Imprensa Nacional, finalmente o país contará com um marco legal do hidrogênio verde. Porém, os demais Projetos de Lei ainda em tramitação poderão alterar ou complementar esse marco legal, assim como as agências reguladoras sensíveis ao tema: Aneel, ANA, ANM, o farão, no âmbito de suas competências.

Fonte: https://www.conjur.com.br/2024-jul-23/a-elaboracao-da-politica-nacional-do-hidrogenio-de-baixa-emissao-de-carbono-parte-1/

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Em tese de doutorado, Luís Otávio Barroso da Graça defende natureza jurídica no processo legislativo

O Consultor de Orçamentos do Senado Federal, Luís Otávio Barroso da Graça, defende em sua dissertação a natureza jurídica no processo legislativo, em oposição à sua faceta política mais aparente, e que as violações das regras procedimentais de elaboração de normas são incompatíveis com essa caracterização.

Para embasar sua argumentação, o autor dividiu a tese em três partes. A primeira parte aborda a força normativa das regras aplicáveis ao processo legislativo, navegando por casos dos Estados Unidos e do Brasil.

A segunda trata dos mecanismos de justificação e supervisão. Argumento que existem várias razões pelas quais os legisladores devem obedecer às regras procedimentais legislativas.

E, por último, discute uma situação específica: a promulgação de decretos-leis, medidas provisórias, diretrizes executivas ou qualquer coisa similar, com força de lei, para lidar com emergências.

Acesse a íntegra da tese de doutorado: https://escholarship.org/uc/item/3xp0w140

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Helder Rebouças e Alexandre Manoel analisam a regulamentação das emendas parlamentares

Em artigo publicado pelo Valor Econômico, o consultor legislativo do Senado, Helder Rebouças, e o economista Alexandre Manoel, apresentaram um conjunto de sugestões para a regulamentação das emendas ao orçamento, após recente decisão do Ministro Flávio Dino, no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n° 7697.

O que esperar da regulamentação das emendas parlamentares?

Por Alexandre Manoel e Helder Rebouças

A recente decisão do ministro Flávio Dino, no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7697, mantida por unanimidade pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), além de atribuir caráter relativo (e não absoluto) à impositividade das emendas individuais e de bancada estadual, suspendeu a execução dessas despesas até que sejam editadas regras que garantam a transparência e a rastreabilidade dos recursos.

Posteriormente, nota conjunta dos Poderes firmou consenso sobre alguns pontos que serão objeto de regulamentação, referentes à execução dessas emendas. De forma geral, isso diz respeito à evolução exponencial de um montante pago de emendas de R$ 2,4 bilhões (0,04% do PIB), em 2015, para R$ 35,8 bilhões (0,32% do PIB), em 2023.

Essa compreensão do STF sobre a impositividade e moderação na evolução das emendas foi baseada em expresso dispositivo constitucional, que condiciona a execução das despesas a prévio exame de impedimentos de ordem técnica, e reafirma, na prática, que é poder-dever do Executivo não executar despesas de emendas individuais (inclusive as Pix) e de bancadas estaduais em desacordo, por exemplo, com as prioridades das políticas públicas traçadas nos planos de governo.

Até 2014, o poder sobre o orçamento era concentrado no Executivo, de modo que os parlamentares não alinhados ao Planalto tinham dificuldades na execução de suas emendas. Consequentemente, a agenda política seguia sob controle do Executivo, com baixos incentivos às posições discordantes do Legislativo. Nesse ambiente, parlamentares de oposição tinham dificuldade de se eleger.

A natural reação a essa concentração, e o fim do financiamento privado eleitoral, levaram a novas investidas sobre o orçamento, com consequente rearranjo no ordenamento da execução orçamentária. Em que pese a evolução dos valores das emendas no tempo, qualquer comparação internacional dos nossos atuais 0,32% do PIB de emendas requer exame acurado das regras do jogo político-eleitoral de cada sistema tomado como paradigma.

A comparação com o percentual gasto na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, deve levar em conta que quase 80% dos países-membros executam seus orçamentos sob um regime parlamentarista, em que o chefe de governo é nomeado pelo Parlamento e este, naturalmente, não precisa de emenda para exercer algum poder na alocação orçamentária.

Ademais, na OCDE, há também os países que possuem orçamento impositivo, como os Estados Unidos, onde o gestor público é obrigado a executar a despesa que foi determinada pelo Legislativo.

Face ao exposto e, com base na decisão da STF na ADI 7697, apresentamos a seguir um conjunto de sugestões para a regulamentação das emendas orçamentárias, como forma de contribuir no debate:

  • Limitação do crescimento real das despesas das emendas aos mesmos 2,5% estipulados no arcabouço fiscal;
  • Bloqueio ou contingenciamento, devidamente justificado, em igual proporção à limitação realizada nas demais despesas;
  • Emendas Pix (que somaram R$ 21,3 bilhões entre 2020 e 2024): a execução dessas emendas ficaria condicionada à prévia apresentação de um projeto para a aplicação dos recursos pelo beneficiário. Ademais, a classificação dessas despesas seria a mesma adotada pela União para fins de harmonização contábil e controle pelos tribunais de contas. Por fim, os portais de transparência dos entes beneficiários e da União divulgarão amplamente as informações detalhadas dessas transferências;
  • Demais emendas individuais (que somaram R$ 76,4 bilhões entre 2020 e 2024): aqui, a execução dependeria de prévio atesto formal da administração quanto a impedimentos de ordem técnica e aderência da emenda às prioridades da pasta executora. Em complemento, a ocorrência de impedimentos técnicos das emendas seria divulgada nos portais de transparência do governo e comunicada formalmente à Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO), do Congresso. Sugere-se ainda que cada pasta apresente, em anexo ao projeto de lei orçamentária anual (PLOA), suas prioridades de despesas, como forma de colaborar na elaboração de emendas parlamentares;
  • Emendas de bancadas estaduais (que somaram R$ 35,3 bilhões entre 2020 e 2024): propõe-se que a execução dessas emendas esteja condicionada ao exame prévio do Executivo quanto ao caráter estruturante da despesa. A relação de projetos estruturantes de cada Estado, apresentados pelo Executivo estadual, seria um bom roteiro para a elaboração das emendas. Importante também que seja vedada qualquer tipo de alteração nas características das emendas aprovadas no Legislativo, como forma de impedir a sua individualização ou fragmentação;
  • Emendas de comissão (que somaram R$ 23,4 bilhões, entre 2020 e 2024): sugere-se que a sua execução esteja condicionada ao exame prévio do caráter nacional ou regional da despesa, vedando-se qualquer possibilidade de alteração posterior nas características das emendas aprovadas que impliquem individualização ou fragmentação.

A regulamentação deveria ainda, em conexão à transparência e rastreabilidade, adensar, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o explícito princípio constitucional equitatividade orçamentária, a fim de vedar a execução orçamentária com fins discriminatórios, sobretudo em períodos eleitorais.

Ademais, destaque-se que mudanças mais estruturais na engenharia orçamentária brasileira poderão ser alcançadas por meio da aprovação da nova Lei de Finanças Públicas, que substituirá a sexagenária Lei 4.320, de 1964.

Concluindo, a decisão do STF mostra-nos que é possível, dentro das regras constitucionais vigentes, aperfeiçoar o ambiente institucional das emendas ao orçamento, com transparência e rastreabilidade, por meio do exame prévio e criterioso dos impedimentos de ordem técnica, cuja tônica deveria ser analisar a real aderência das emendas às prioridades do planejamento governamental e possibilitar a avaliação da efetividade dos gastos associados. Com isso, haverá moderação, maior competição política e menor ineficiência do gasto público.

Fonte: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/o-que-esperar-da-regulamentacao-das-emendas-parlamentares.ghtml

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Marcelo Cheli discute o direito financeiro na tutela das finanças públicas

Em artigo publicado no Consultor Jurídico – CONJUR, o advogado do Senado Federal, Marcelo Cheli de Lima, abordou o a expansão do direito financeiro com o advento da LRF e da Lei nº 10.028.

Caráter sancionador do direito financeiro na tutela das finanças públicas

Por Marcelo Cheli de Lima*

O aspecto sancionador do direito financeiro passou por significativa expansão nos anos 2000, especialmente pela entrada em vigor da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei nº 10.028.

Em primeiro lugar, a LRF criou ilícitos institucionais, isto é, condutas praticadas por órgãos ou entidades que podem dar ensejo à aplicação de uma sanção institucional, por exemplo, é requisito essencial de responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente federado. No caso de descumprimento desse requisito, ao ente transgressor poderá ser aplicada uma penalidade, a saber: vedação ao recebimento de transferências voluntárias (sanção institucional).

A proibição de receber transferências voluntárias é bastante prejudicial ao ente da federação, especialmente àqueles entes cuja atividade financeira não é tão pujante a ponto de suprir todas as despesas necessárias à manutenção e prestação dos serviços públicos de sua competência.

No que tange à punição dos agentes públicos individualmente, a LRF não criou nenhum tipo específico na hipótese de descumprimento de suas disposições. No entanto, nos termos do seu artigo 73, prescreveu que as infrações aos seus dispositivos serão punidas segundo o Código Penal; a Lei nº 1.079/1950 — Lei do Impeachment; o Decreto-Lei (DL) nº 200/1967 — crimes de responsabilidade dos prefeitos; a Lei nº 8.429/1992 — Lei de Improbidade Administrativa (LIA).

Todos os diplomas normativos supracitados dispõem sobre ilícitos e sanções pessoais (recaem sobre a pessoa do agente público responsável). São eles: crimes contra as finanças públicas, crimes de responsabilidade ou infrações político-administrativas, crimes comuns e de responsabilidade praticados por prefeitos e atos de improbidade administrativas.

Os crimes contra as finanças públicas estão previstos no capítulo IV do título XI da parte especial do Código Penal (CP). Os referidos delitos foram incluídos no estatuto repressor por meio da Lei nº 10.028. Os oito tipos penais possuem características em comum. Por exemplo, são tipos abertos e normas penais em branco, pois dependem de uma complementação normativa sem a qual não será possível realizar a adequação típica.

Requisitos de crime contra a administração pública

Por se tratar da espécie de crimes contra a administração pública, como regra, os crimes contra as finanças pública não admitem a aplicação do princípio da insignificância ou bagatela, mas não há óbice à aplicação do referido princípio, desde que presentes os seguintes requisitos: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente; (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Os crimes de responsabilidade, por sua vez, emanam da própria Constituição, interessam ao aspecto sancionador do direito financeiro, nos termos do artigo 85, VI, da Constituição, as infrações contra a lei orçamentária.

Os crimes de responsabilidade (infrações político-administrativas) podem levar à perda do cargo (impedimento) do presidente da República entre outras autoridades (ministros de Estado, PGR, ministros do STF etc.). As condutas que infringem a lei orçamentária estão descritas no artigo 10 da Lei de Impeachment.

O DL nº 201 também é importante ao aspecto sancionador do direito financeiro, pois dispõe sobre os crimes de responsabilidade dos prefeitos e vereadores. Com efeito, o artigo 1º dispõe sobre condutas que são consideradas crimes de responsabilidade dos prefeitos, no caso do indigitado dispositivo, o emprego da expressão “crimes de responsabilidade” pelo legislador está equivocado, pois os tipos descritos no artigo 1º são crimes comuns, ficando a cargo do artigo 4º descrever as infrações político-administrativas (crimes de responsabilidade).

Pelo menos, há 16 delitos que guardam relação com o caráter sancionador do direito financeiro, metade inseridos no DL nº 201 pela Lei nº 10.028. Tal fato é mais um indício da ampliação do arsenal sancionador do direito financeiro promovido por esta lei.

O aspecto sancionador do direito financeiro também está presente na LIA, pois o descumprimento de normas da LRF e as lesões às finanças públicas podem dar ensejo à prática de atos de improbidade administrativa (infrações de natureza administrativa).

No caso da LIA, há pelo menos duas espécies de atos de improbidade administrativa que interessam ao direito financeiro: atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário e atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública.

Prejuízos ao erário

Na primeira hipótese, prejuízo ao erário, são atos de improbidade administrativa pertinentes ao direito financeiro: realização de operação financeira irregular, prestação de garantia graciosa, concessão irregular de benefício fiscal e ordenar despesa não autorizada.

Na segunda hipótese, isto é, violação de princípios da administração pública, é ato de improbidade administrativa a omissão na prestação de contas, isto é, o agente público será punido quando deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo e desde que obtenha condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades.

Ainda, no que tange às infrações administrativas, no bojo da Lei nº 10.028, estão previstas as infrações administrativas contra as leis de finanças públicas. São quatro condutas que poderão dar ensejo à aplicação de multa de 30% dos vencimentos anuais do agente público.

Conquanto a ampliação significativa do aspecto sancionador do direito financeiro seja evidente, há poucos autores que se dedicam ao seu estudo, diferente do que acontece, por exemplo, com o direito administrativo sancionador. Todavia, não obstante a anomia de estudos sobre o tema, o caráter sancionador do direito financeiro está sempre presente no debate público, desde o processo de impeachment da então presidente Dilma Roussef.

Ademais, contra o ex-presidente da República Jair Bolsonaro foram protocolados pedidos de impeachment, na Câmara dos Deputados, todos relacionados ao descumprimento de normas jurídicas de direito financeiro. Por exemplo, os pedidos 150 e 152, ambos de autoria do senador Jean Paul Prates, que versavam sobre as práticas denominadas de “pedaladas fiscais” e “orçamento secreto”.

São apenas alguns poucos exemplos, pois os descumprimentos das normas de direito financeiro são corriqueiros no dia a dia dos entes federados, mas não vêm à tona por uma série de fatores.

Conclui-se, portanto, que o aspecto sancionador do direito financeiro foi bastante ampliado com o advento da LRF e da Lei nº 10.028. Tal característica tem como função tutelar as normas jurídicas de gestão fiscal responsável, impondo a aplicação de penalidades pela prática de condutas ilegais capazes de atingir as finanças públicas, bem jurídico relevante à manutenção e prestação dos serviços públicos essenciais fornecidos pelo Estado, e a garantia dos direitos fundamentais da população.

Fonte: https://www.conjur.com.br/2024-ago-31/carater-sancionador-do-direito-financeiro-na-tutela-das-financas-publicas/

*Marcelo Cheli de Lima é advogado do Senado Federal

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Livro de Bruno Matos lidera ranking da Amazon na categoria “guias práticos”

O livro ‘Compra de Imóveis – Aspectos Jurídicos, Cautelas Devidas e Análise de Riscos’, do Consultor Legislativo do Senado Federal, Bruno Mattos e Silva, figura na primeira colocação do ranking da Amazon na categoria “guias práticos”.

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