Em artigo publicado no Consultor Jurídico – CONJUR, o consultor legislativo do Senado Federal, Marcelo Cheli de Lima, abordou a inviolabilidade da opinião do vereador. Confira o artigo completo.
Inviolabilidade do vereador por opinião, palavra e voto nas eleições municipais
Por Marcelo Cheli de Lima*
Aproximam-se as eleições municipais deste ano, e os brasileiros irão às urnas para escolher os prefeitos e vereadores para ocuparem cargos eletivos nos Poderes Executivo e Legislativo.
No último pleito (2020), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou que existiam 58.208 cargos de vereador para serem ocupados nos 5.567 municípios brasileiros. Este número elevado de cargos decorre do esquema de organização político-administrativa traçado pela Constituição, esta adotou o federalismo como forma de Estado e concedeu ao município autonomia (autogoverno) para eleger os membros que irão compor o Poder Legislativo local (artigo 18, caput c/c art. 29, I, da CF).
Seja pela quantidade de cargos disponíveis ou pela relevante função que desempenharão, os candidatos precisam conhecer sobre as prerrogativas do cargo de vereador, especialmente sobre a imunidade material ou inviolabilidade parlamentar por opiniões palavras e votos.
Nos termos do artigo 53, caput, da CF, os membros do Poder Legislativo da União são invioláveis (civil e criminalmente) por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos, nos mesmos termos, os parlamentares estaduais também serão invioláveis, conforme dispõe o artigo 27, § 1º, da CF.
Os vereadores também são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos, nos mesmos moldes dos senadores, deputados federais e estaduais?
A resposta é negativa, pois a própria Constituição disciplinou a imunidade material dos vereadores de forma diferente, no caso, a inviolabilidade por opiniões, palavras e votos dos parlamentares municipais está condicionada a limites geográficos (circunscrição do município), nos termos do artigo 29, VIII, da CF.
Com efeito, ao apreciar o Recurso Extraordinário nº 600.063/SP (Repercussão Geral, Tema nº 469), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a imunidade material dos vereadores estará garantida “nos limites da circunscrição do município e havendo pertinência com o exercício do mandato”.
Requisitos para inviolabilidade de vereadores
É possível extrair dois requisitos para caracterizar a inviolabilidade dos vereadores por suas opiniões, palavras e votos, de acordo com a jurisprudência do STF, a saber:
- (i) requisito geográfico, representado pelos limites territoriais do Município; e
- (ii) requisito de pertinência temática (nexo de implicação recíproco) entre a opinião ou palavras e o exercício do mandato parlamentar.
O requisito geográfico pode ser flexibilizado, pois é bastante comum a manifestação de vereadores por meio das redes sociais, estas não conhecem limites geográficos ou fronteiras, pois as postagens podem alcançar outros municípios, talvez outros países.
No caso, é defensável afirmar que o artigo 29, VII, da CF, passou por processo de mutação constitucional, isto é, operou-se a alteração da interpretação acerca do alcance da expressão “na circunscrição do município”.
Acerca do assunto, o STF garantiu a inviolabilidade de vereador por falas contra prefeito veiculadas em redes sociais (Facebook e Instagram), consignando, na ementa do acórdão, que “nos dias atuais, caracterizados por avanços tecnológicos em que a internet se tornou um dos principais meios de comunicação entre os mandatários e o eleitor, não é mais possível restringir o exercício parlamentar do mandato aos estritos limites do recinto da Câmara Municipal” (ARE nº 1.421.633).
Destarte, desde que haja nexo de implicação recíproco entre as falas do vereador e o exercício legítimo do mandato parlamentar, deve ser garantia sua inviolabilidade.
O segundo requisito, pertinência temática entre as opiniões/palavras e o exercício do mandato parlamentar, remete à compreensão funcional da inviolabilidade parlamentar, pois foca na proteção das funções que são essenciais aos membros do parlamento na realização do seu dever público.
Desde que evidenciado, no caso concreto, o liame (nexo causal) entre as opiniões e palavras do vereador e o exercício do mandato, haverá imunidade material, todavia, manifestações proferidas com o nítido intuito de ofender e difamar sem relação de pertinência com o mandato não estão acobertadas pela inviolabilidade parlamentar. Apenas para exemplificar, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não concedeu ordem de Habeas Corpus, para trancar queixa crime a vereador que acusou antagonista de usar indevidamente verba do fundo partidário (AgRg no RHC nº 122255/BA).
A compreensão da inviolabilidade é vital para os parlamentares, pois é possível evitar processos não desejados. Ademais, o tema é bastante frequente nos tribunais pelo número bastante expressivo de cargos de vereador, logo, pode ser um nicho de advocacia interessante para os advogados se especializarem.
*Marcelo Cheli de Lima é advogado do Senado Federal