Em estudo, o consultor legislativo do Senado Federal – Carlos Eduardo Elias de Oliveira, refletiu sobre as fragilidades legais e sugeriu aprimoramentos da curatela de pessoas vulneráveis à luz do princípio da vontade presumível.

De acordo com Elias, a atual aplicação da letra fria da legislação que trata sobre o tema produz anomalias que ferem o interesse da pessoa acometida pela perda da lucidez e pode trazer danos irreversíveis a ela e àqueles que a cercam.

Clique aqui para ler a íntegra do trabalho e leia abaixo a sua introdução.

Introdução:

Certo um dia, um empresário bem-sucedido de 45 anos, solteiro, externou a um advogado uma preocupação:

– Quem será o meu curador caso eu venha a perder a lucidez?

O único parente desse empresário era um filho, com quem infelizmente não foi possível criar uma boa convivência.

O relacionamento com esse filho era salpicado por animosidade por conta da personalidade avarenta e fria do filho.

O empresário, com olhos marejados, dizia:

– Eu tentei de tudo para ser próximo desse filho, mas ele invariavelmente desrespeita-me, despreza-me e só se aproxima para tentar me chantagear e conseguir dinheiro.

A confiança do empresário nesse filho é “zero”! Ele sabe que, se viesse a precisar de ajuda, esse filho agiria como um egoísta perigoso e sovina.

O solitário empresário relatou que a única pessoa de sua confiança é um amigo de infância, com quem ele se encontra semanalmente. Esse amigo é daquelas pessoas inflexíveis em antepor a lealdade à cupidez, o próximo a si mesmo, o amor à avareza.

Quando o empresário fica doente, é a esse amigo que ele se socorre.

O empresário disse ao advogado:

– Se eu futuramente vier a perder minha lucidez, eu não quero, jamais, que meu filho seja o meu curador, porque infelizmente não tenho proximidade afetiva com ele. Eu quero que esse meu amigo seja meu curador.

Além disso, o empresário, sabendo dos sacrifícios pessoais que esse amigo assumirá, completou:

– Em compensação a tudo o que esse meu amigo fará enquanto curador, quero que seja paga uma remuneração altíssima para ele em compensação pelos serviços de curador. Quero que seja oferecida
uma remuneração corresponde a 80% do teto do funcionalismo público.

Nesse caso, indagamos: o que esse empresário pode fazer? Há ferramentas jurídicas adequadas para fazer a vontade desse empresário ser respeitada no caso de sua eventual obnubilação?

Há uma outra história real para ilustrar o debate.

Um servidor público do alto escalão, de 65 anos de idade, viúvo, havia se aposentado com um salário correspondente ao teto do funcionalismo público.

Ele já possui um imóvel de alto padrão quitado e também possui uma considerável poupança.
Ele tinha uma filha, que não deu muita sorte profissionalmente. A filha vivia ainda às custas do seu pai, sob um padrão de classe média alta. Viajava, de férias, para o exterior, dirigia um bom carro, frequentava bons restaurantes, tudo sob o custeio do seu pai.

A filha – em decorrência de um relacionamento de noite de verão com um desconhecido – virou mãe de um cativante menino que, infelizmente, sofria de algumas limitações psicológicas. O avô apressou-se em custear tudo do netinho: plano de saúde, educação em uma escola de alto padrão, roupas, lazer
etc. A filha e o neto eram tudo o que aquele valetudinário servidor público aposentado tinha na vida.

A maior alegria do avô era ver sua descendência junto de si, vivendo sob o mesmo teto dele e recebendo todo o seu suporte (inclusive, financeiro). Tudo corria bem até que o avô perdeu a lucidez aos 65 anos de idade. Ele já não mais articulava as ideias com lógica. Em consequência, ele precisou ser interditado judicialmente, e sua filha nomeada curadora.

O problema surgiu quando o juiz, seguindo a letra fria da lei, proibiu que o dinheiro do avô fosse utilizado para custeio das despesas pessoais da filha e do neto. O argumento do juiz foi o de que os arts. 1.749, II, e 11.781 do Código Civil (CC) proíbem expressamente doações dos bens do curatelado.

O juiz fixou um pró-labore de 1 salário-mínimo para a filha como remuneração por sua função de curadora. Determinou, ainda, que o dinheiro do curatelado fosse utilizado exclusivamente no seu interesse, de modo que até mesmo as despesas comuns da casa – como luz e água – fossem rateadas com a filha.

Na prática, essa decisão acabou levando a já gorda poupança do servidor público interditado a uma situação próxima à obesidade. O neto teve de sair da escola de alto padrão para uma outra gratuita, que lhe oferecia menor suporte.

A filha não mais tinha dinheiro, sequer, para colocar gasolina no carro e teve de reduzir drasticamente o padrão de vida.

Em outras palavras, o servidor público interditado – indefeso – teve de assistir à ruína do que lhe fazia feliz, porque o juiz, seguindo a letra fria da lei, atropelou a vontade presumível desse servidor, identificável com base no seu comportamento ao tempo da lucidez.

No futuro, quando – para lembrar Raul Seixas – a Morte vestir-se de cetim para beijar o servidor interditado em uma esquina, a sua poupança estará obesa, ao passo que sua filha e seu neto estarão raquíticos de cultura, de prazer e de vida por conta das privações patrimoniais causadas pela aplicação fria da lei.
Faça-se uma emenda à história acima. O neto chegou a ajuizar uma ação de alimentos contra o avô, mas obteve uma pensão alimentícia diminuta que, na prática, não lhe elevou muito o padrão de vida.

Diante desse cenário, indago: será que esse é mesmo o cenário desenhado
pelo nosso ordenamento?

Partimos de duas histórias baseadas em fatos reais para externar o que, na prática, acaba acontecendo em muitas situações, apesar de – ao nosso sentir – o ordenamento jurídico dar outro norte.

Exporemos, neste texto, pontos que devem ser aprimorados, seja na interpretação das leis, seja na edição de atos normativos legais e infralegais destinados a viabilizar a concretização efetiva do ordenamento.

Entendemos que a lei e a jurisprudência precisam avançar para acudir situações como essas.