Gripe Aviária: desafios sanitários, resposta estatal e soberania alimentar

Entenda como o Brasil está reagindo à gripe aviária e por que proteger as galinhas vai muito além da produção de frango — é uma questão de saúde, economia e soberania alimentar

Por: Luiz Rodrigues

A Gripe Aviária de Alta Patogenicidade, oficialmente denominada Influenza Aviária de Alta Patogenicidade (IAAP), é uma doença viral altamente contagiosa que afeta aves domésticas e silvestres, e que eventualmente pode infectar mamíferos, inclusive seres humanos. Causada por cepas do vírus influenza tipo A, a IAAP provoca sintomas graves e alta mortalidade nas aves, resultando em impacto potencialmente devastador para a avicultura e o comércio internacional de produtos avícolas, além de aumentar o custo de vida da população, vulnerabilizando a segurança alimentar.

A Gripe Aviária e Seus Riscos

Nas aves domésticas (como galinhas e patos), a infecção pode provocar doença sistêmica grave, com sintomas respiratórios, neurológicos e alta mortalidade repentina dos animais. Em contraste, muitas aves silvestres – especialmente aves aquáticas migratórias – podem carregar o vírus sem adoecer, atuando como reservatório e espalhando-o por longas distâncias durante suas rotas migratórias. Essa capacidade de aves silvestres disseminarem o vírus é o principal fator de introdução da gripe aviária em novas regiões, incluindo países antes livres da doença.

A transmissão entre aves ocorre principalmente por contato direto com secreções (nasais, oculares) e fezes de aves infectadas, ou indiretamente via água, alimentos, equipamentos e vestuário contaminados. O comércio global de aves e o intenso fluxo de pessoas e mercadorias também elevam o risco de introdução da IAAP em áreas livres. Por exemplo, mercados abertos com venda de aves vivas facilitam o contato próximo entre diferentes espécies de aves e humanos, criando condições para troca de vírus e até recombinações genéticas entre cepas aviárias. Portanto, práticas inadequadas de biossegurança podem transformar pequenas introduções do vírus em surtos amplos.

Embora seja principalmente uma enfermidade animal, a gripe aviária tem um componente zoonótico preocupante. O termo “zoonótico” significa que a doença pode ser transmitida de animais para humanos. A infecção humana pelo vírus H5N1 (cepa de IAAP mais disseminada globalmente nos últimos anos) é rara e normalmente restrita a pessoas com contato intenso e direto com aves doentes, como tratadores, granjeiros ou profissionais envolvidos no abate sanitário. Não há evidência de transmissão sustentada de humano para humano, o que significa que, até o momento, o vírus não é capaz de deflagrar uma pandemia em pessoas. No entanto, quando casos humanos ocorrem, costumam apresentar alta taxa de letalidade.

Esse risco limitado, mas existente, classifica a IAAP como uma zoonose de grande interesse em saúde pública: os especialistas alertam que o vírus pode, em tese, sofrer mutações ou combinar-se com cepas humanas de influenza, adquirindo capacidade de transmissão eficiente entre pessoas. Esse cenário hipotético – embora ainda não observado – coloca a gripe aviária na lista de ameaças pandêmicas em potencial. Assim, mesmo que o risco atual ao ser humano seja baixo e restrito a grupos ocupacionais específicos, a vigilância contínua e medidas de prevenção são indispensáveis.

Vídeo do Ministério da Agricultura e Pecuária traz orientações práticas para prevenir a gripe aviária. Assista:

Medidas Adotadas pelo Governo Brasileiro Contra a Gripe Aviária

Diante da expansão global da IAAP nos últimos anos e dos primeiros casos detectados no Brasil (em aves migratórias) a partir de 2023, o governo federal, especialmente por meio do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) e órgãos parceiros, tem implementado um conjunto robusto de medidas preventivas e de contingência. Essas ações visam tanto evitar a introdução e disseminação do vírus quanto preparar uma resposta rápida, caso surja um foco no país. Entre as principais medidas adotadas, destacam-se:

  1. Plano de Contingência Nacional
    O Brasil desenvolveu planos nacionais de contingência específicos para emergências zoossanitárias, como a influenza aviária. Em 2023, o MAPA atualizou seu Plano de Contingência para IAAP, estabelecendo procedimentos padronizados de detecção, contenção e erradicação de focos. Assim que um foco é confirmado, esse plano orienta ações imediatas, como isolamento da área, sacrifício sanitário das aves infectadas, descarte seguro de carcaças e ovos, limpeza e desinfecção das instalações e investigação epidemiológica nas proximidades — tudo com rapidez, para evitar a propagação do vírus.
  2. Manutenção de Zona Livre de IAAP em Aves Comerciais
    Até muito recentemente, o Brasil era considerado livre de gripe aviária em plantéis comerciais, tendo registrado o vírus apenas em aves silvestres e criatórios de subsistência isolados. Esse status sanitário — reconhecido pela Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA) — foi mantido por décadas e é crucial para as exportações avícolas. Mesmo com a identificação de um foco isolado em maio de 2025, as autoridades continuam trabalhando para regionalizar o problema e recuperar o mais rápido possível a condição de país livre da doença nas áreas produtivas. A estratégia de regionalização, já utilizada com sucesso em países como França e Estados Unidos, implica demonstrar aos parceiros comerciais que o surto foi contido a uma região específica, permitindo que outras regiões do Brasil continuem exportando sem restrições. Para isso, é essencial provar tecnicamente que não há circulação do vírus fora da zona delimitada do surto.
  3. Criação de Comitês de Crise e Ações Integradas
    O governo federal instalou comitês de crise para coordenar a resposta à ameaça de IAAP, integrando diversos órgãos e níveis de governo. Essa articulação envolve não apenas o MAPA e suas unidades de defesa agropecuária nos estados, mas também outros ministérios e agências — incluindo Saúde, Meio Ambiente, Economia (comércio exterior) — e entidades não governamentais relevantes. A atuação conjunta se dá nas três esferas (federal, estadual e municipal), garantindo fluxo de informações e uniformidade nas ações. Por exemplo, após a confirmação de foco em 2025, o MAPA comunicou oficialmente o ocorrido ao Ministério da Saúde e ao Ministério do Meio Ambiente, entre outros, para que cada área ativasse seus protocolos correspondentes. Também há cooperação com o setor privado: a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), representando a indústria avícola, coordena um comitê de crise com participação de produtores e empresas, alinhando as medidas emergenciais no setor produtivo. Essa convergência de esforços entre governo e iniciativa privada reforça a efetividade das ações de contenção.
  4. Capacitação de Profissionais e Reforço na Fiscalização em Fronteiras
    Muito antes do primeiro caso ser detectado em território nacional, o Brasil investiu na preparação técnica de seu serviço veterinário oficial e no fortalecimento da vigilância sanitária. Desde os anos 2000, equipes de veterinários e técnicos vêm sendo treinadas e equipadas para lidar com a gripe aviária. Exercícios simulados, cursos de atualização e distribuição de equipamentos de proteção individual (EPI) fazem parte dessa capacitação contínua. Em paralelo, o controle sanitário em portos, aeroportos e fronteiras foi intensificado para impedir a entrada do vírus através de aves migratórias interceptadas ou produtos avícolas contaminados. A vigilância inclui monitoramento de aves silvestres em rotas migratórias e fiscalização rigorosa de viajantes, cargas e encomendas que possam representar risco, com equipes alertas para qualquer ocorrência suspeita. Essas atividades de “barreira sanitária” nos pontos de entrada do país complementam a biossegurança interna das granjas, criando camadas de proteção contra a IAAP.
  5. Proibição de Eventos com Aves Vivas
    Como medida preventiva de curto prazo, o Ministério da Agricultura editou portarias suspendendo temporariamente exposições, feiras, torneios e quaisquer eventos que reúnam aves vivas em aglomerações. Essa proibição visa diminuir as chances de contato entre diferentes criações de aves e entre aves silvestres e domésticas — situação em que o vírus poderia facilmente se espalhar. Enquanto vigoram essas restrições, somente com autorização expressa do serviço veterinário estadual e após avaliação de risco é que alguma flexibilização pode ocorrer. Muitos estados brasileiros também adotaram medidas semelhantes, cancelando eventos avícolas e até restringindo o transporte intermunicipal ou interestadual de aves e ovos férteis oriundos de regiões de risco. Tais precauções, embora impactem tradições como exposições agropecuárias, são fundamentais para evitar que um eventual foco se amplifique por movimentação descuidada de animais.
  6. Monitoramento Conjunto com o Ministério da Saúde
    Inserindo-se na abordagem de Uma Só Saúde (One Health), o Ministério da Saúde acompanha lado a lado a situação da influenza aviária. Até o momento, não houve casos humanos no Brasil, mas a vigilância epidemiológica humana foi reforçada como precaução. O setor saúde elaborou, em dezembro de 2024, seu próprio Plano de Contingência Nacional para Influenza Aviária, delineando responsabilidades e estratégias no âmbito do SUS, caso ocorram infecções humanas. Profissionais de saúde foram orientados a notificar imediatamente qualquer suspeita de gripe aviária em pessoas (especialmente trabalhadores expostos a aves infectadas), e os laboratórios de referência estão capacitados para diagnosticar o vírus em amostras humanas. Há também um intercâmbio contínuo de informações entre as vigilâncias veterinária e em saúde: se um foco em aves é confirmado, as autoridades de saúde são alertadas para monitorar contatos humanos; reciprocamente, qualquer sinal incomum em pacientes com síndrome gripal e histórico de exposição a aves é imediatamente comunicado ao MAPA. Essa integração garante agilidade na resposta e prevenção de riscos zoonóticos.
  7. Protocolos de Proteção aos Trabalhadores do Setor Avícola
    Ciente de que o principal risco zoonótico recai sobre pessoas que manuseiam aves doentes, o governo difundiu protocolos de segurança para trabalhadores em granjas, transportadores, veterinários e equipes de controle sanitário. Essas diretrizes incluem uso adequado de EPIs (máscaras, luvas, óculos de proteção, roupas impermeáveis) durante qualquer contato com aves potencialmente infectadas ou material biológico contaminado. Nas operações de eliminação de focos, por exemplo, as brigadas sanitárias atuam totalmente paramentadas para evitar contaminação. Além disso, há monitoramento da saúde desses trabalhadores: quem esteve exposto a aves infectadas deve ser acompanhado pela vigilância médica por um período, com medição de temperatura e avaliação de sintomas respiratórios, podendo eventualmente receber medicamentos antivirais profiláticos conforme protocolo do Ministério da Saúde. Tais cuidados protegem os trabalhadores e também reduzem as chances do vírus “pular” para humanos — reforçando a barreira entre a saúde animal e a saúde pública.

Importância dessas Medidas para Evitar Prejuízos e Crises

As medidas acima não são excessos de zelo, mas sim ações essenciais para evitar uma série de consequências graves que um surto descontrolado de gripe aviária traria ao Brasil. Em primeiro lugar, está em jogo um enorme potencial de prejuízo econômico. O Brasil é, hoje, o maior exportador de carne de frango do mundo, responsável por cerca de 35% do comércio global do produto. Em 2024, o país exportou aproximadamente US$ 10 bilhões em carne de aves, atendendo a mais de 150 países. Essa posição de liderança foi conquistada ao longo de décadas, graças à confiança internacional na sanidade do plantel avícola brasileiro.

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Um surto de IAAP em território nacional automaticamente aciona barreiras comerciais: diversos países importadores impõem suspensões imediatas às compras de frango e outros produtos avícolas assim que a doença é notificada. Foi o que se viu após a detecção do foco de 2025 — mercados importantes, como China e União Europeia, anunciaram embargo temporário às importações de todo o Brasil, enquanto parceiros como Japão, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos optaram por restringir apenas as mercadorias originárias do estado afetado. Estima-se que a proibição chinesa por 60 dias represente perdas superiores a US$ 100 milhões por mês em exportações não realizadas. Portanto, cada dia a mais de surto ativo significa perda de divisas, impacto na balança comercial e risco de fechamento de plantas industriais voltadas à exportação. As ações rápidas de contenção visam abreviar esse período de interrupção: quanto antes o Brasil comprovar que erradicou o foco e não surgiram outros, mais cedo poderão ser retomadas as vendas ao exterior, recuperando mercados e evitando danos prolongados à cadeia produtiva.

Ademais, existe o impacto nos preços dos alimentos e na inflação. A carne de frango e os ovos são pilares da alimentação brasileira — o consumo per capita anual de frango no país gira em torno de 45 kg por habitante, bem acima do consumo de carne bovina ou suína. Isso significa que qualquer choque de oferta nesse setor tem potencial de afetar diretamente a mesa do consumidor e os índices de inflação de alimentos. Num cenário de surto amplo que exigisse o abate de milhões de aves (como já ocorreu em surtos na Ásia, Europa ou Estados Unidos), poderíamos ter escassez de produtos avícolas no mercado interno e consequente alta expressiva de preços.

Foi o que aconteceu nos Estados Unidos, em 2022-2023: uma grande epidemia de gripe aviária lá levou ao abate de mais de 50 milhões de aves, causando falta de ovos e aumento de quase 25% no preço médio do produto em poucos meses. No Brasil, evitar esse tipo de desabastecimento é crucial para a população, especialmente para as camadas de menor renda, que dependem da proteína de frango como opção acessível. Por outro lado, mesmo nos casos em que os embargos externos provocam oferta excedente no mercado doméstico (potencialmente segurando os preços temporariamente), o quadro geral ainda é prejudicial: produtores sofrem perdas e podem reduzir investimentos, prejudicando a produção futura. Além disso, a instabilidade no setor agropecuário tende a gerar insegurança nos mercados e pode refletir em pressões inflacionárias indiretas. Em suma, conter rapidamente a IAAP é necessário tanto para evitar uma disparada inflacionária nos alimentos quanto para manter a estabilidade das cadeias de abastecimento.

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Outro ponto crítico é a desorganização das cadeias produtivas agropecuárias e o risco à segurança alimentar nacional. A avicultura brasileira é um sistema altamente integrado: envolve desde produtores de insumos (rações, vacinas) até granjeiros, fábricas de processamento, transporte e distribuição no varejo. Um surto de gripe aviária, se mal controlado, rompe essa engrenagem. Granjas atingidas precisam ser interditadas e despovoadas, deixando de fornecer frangos para abate; áreas em quarentena não podem enviar ou receber novas aves ou ovos férteis, afetando incubatórios e a reposição de plantéis; frigoríficos podem ficar ociosos por falta de matéria-prima, levando a férias coletivas ou demissões temporárias. Em escala ampliada, isso poderia causar desemprego no campo e na indústria, falta de produtos para o consumidor e, paradoxalmente, desperdício de alimentos (por exemplo, granjas destruindo ovos porque não podem ser aproveitados).

A segurança alimentar do país ficaria comprometida caso a doença se alastrasse a ponto de reduzir significativamente a produção interna de proteínas acessíveis. Embora o Brasil seja grande exportador, cerca de 70% da carne de frango produzida é consumida internamente — base da dieta de milhões de famílias. Proteger a sanidade das aves, portanto, é proteger também a disponibilidade contínua de alimento para a população. As medidas de vigilância e biossegurança adotadas visam manter as cadeias produtivas organizadas e confiáveis, evitando tanto o colapso da oferta quanto a perda de credibilidade do produto brasileiro lá fora. Em última instância, trata-se de garantir que a soberania alimentar do país não seja abalada por uma crise sanitária: poder continuar alimentando nosso povo e também cumprindo compromissos com outras nações.

One Health: A Gripe Aviária como Questão de Saúde Pública

A estratégia One Health (Uma Só Saúde) reconhece que a saúde humana, animal e ambiental estão interligadas e que ameaças emergentes devem ser enfrentadas de forma interdisciplinar. A gripe aviária é um exemplo claro dessa interdependência. Do ponto de vista animal, é uma doença que demanda vigilância veterinária e medidas de defesa agropecuária rigorosas. Do ponto de vista ambiental, envolve a interação com fauna silvestre — aves migratórias que espalham o vírus — e requer monitoramento de ecossistemas (por exemplo, examinar aves em áreas costeiras, em lagoas, em parques zoológicos) para detectar precocemente a presença do patógeno. Do ponto de vista da saúde humana, embora não haja transmissão pelo consumo de frango ou ovos devidamente inspecionados, existe o risco ocupacional e potencial pandêmico já mencionado, o que significa que as autoridades de saúde precisam estar preparadas para identificar e conter eventuais casos em pessoas.

Dentro dessa abordagem integrada, o Brasil vem buscando coordenação estreita entre os setores. O conceito de Uma Só Saúde se materializa na articulação entre o MAPA, o Ministério da Saúde e o Ministério do Meio Ambiente, principalmente. Cada um desempenha um papel: o MAPA lida com a contenção nos animais e a preservação da produção; o setor de saúde pública prepara hospitais, laboratórios e protocolos para atendimento de possíveis casos humanos; e o setor ambiental cuida da vigilância da fauna e da gestão de locais sensíveis (por exemplo, no surto de 2025, um foco foi confirmado em aves silvestres de um zoológico, exigindo ação conjunta das autoridades agropecuárias e ambientais). A troca de informações em tempo real é fundamental: uma suspeita em aves aciona alertas na saúde humana — e vice-versa —, garantindo resposta rápida.

Organismos internacionais como a FAO e a OMSA ressaltam que apenas com essa visão unificada se consegue evitar que surtos zoonóticos se tornem crises sanitárias amplas. No Brasil, especialistas apontam que o episódio da gripe aviária revela a necessidade de aperfeiçoar ainda mais essa coordenação tripartite, para não haver falhas de comunicação entre veterinários, epidemiologistas e a vigilância ambiental. Felizmente, iniciativas concretas refletem a adoção do paradigma One Health. Além dos planos de contingência, o Ministério da Saúde lançou seu plano voltado à influenza aviária em humanos, como citado, definindo responsabilidades nos níveis federal, estadual e municipal e prevendo ações integradas de vigilância, laboratório, assistência e comunicação. Também são realizados treinamentos conjuntos e simulações envolvendo agentes de defesa animal e profissionais de saúde, de modo que todos saibam como agir de forma coordenada diante de um eventual transbordamento do vírus para pessoas. Essa preparação integrada fortalece a capacidade nacional de reagir a qualquer emergência zoonótica, seja gripe aviária ou outra doença emergente.

Em suma, a gripe aviária não é apenas um problema da avicultura, mas também uma questão de saúde pública e ambiental — enfrentá-la requer essa mentalidade de Uma Só Saúde, em que barreiras setoriais são quebradas em prol de uma resposta unificada para proteger a sociedade como um todo.

O Papel Insubstituível do Estado na Proteção Sanitária

As ações descritas evidenciam que enfrentar a ameaça da gripe aviária requer uma coordenação centralizada e autoridade que só o Estado possui. A ação do Estado é central e insubstituível nesse contexto por diversos motivos. Primeiramente, a manutenção da sanidade agropecuária nacional é um típico bem público: todos os produtores e consumidores se beneficiam de um status sanitário livre de doenças, porém nenhum agente individual teria incentivos ou meios suficientes para, isoladamente, garantir tal condição em âmbito nacional. Somente o poder público pode impor e organizar medidas coletivas de biossegurança, vigilância e resposta emergencial em larga escala. Por exemplo, uma granja pode – e deve – adotar medidas de higiene e controle de acesso, mas apenas o Estado pode regulamentar e fiscalizar essas medidas em milhares de estabelecimentos, evitando que eventuais falhas localizadas coloquem todo o setor em risco. Da mesma forma, em caso de surto, somente o Estado pode determinar quarentenas obrigatórias, sacrificar animais infectados (indenizando produtores quando necessário) e restringir movimentações em prol do interesse coletivo. Se cada produtor ou cada unidade subnacional agisse de forma fragmentada, o vírus encontraria brechas para se espalhar; é necessária uma resposta orquestrada nacionalmente para barrar uma doença tão transmissível.

Além disso, apenas o Estado detém a prerrogativa de representar o país internacionalmente em questões sanitárias. A credibilidade do Brasil perante os mercados externos depende de seus serviços veterinários oficiais, das certificações e relatórios que o governo emite seguindo padrões da OMSA. Assim, recuperar e manter o status de país livre de IAAP – condição essencial para retomada das exportações após um foco – é uma missão que recai sobre o Estado brasileiro, e não poderia ser atingida por esforços individuais ou privados. Vimos que o ministro da Agricultura e sua equipe negociam com parceiros comerciais a adoção de restrições temporárias regionais em vez de nacionais, com base na confiança no sistema de vigilância e transparência do Brasil. Esse tipo de negociação sanitária só é possível devido à robustez do sistema estatal de defesa agropecuária construído ao longo do tempo. Em outras palavras, o Estado atua como guardião da reputação sanitária do país – e, por extensão, da viabilidade econômica de todo um setor produtivo estratégico.

Também no aspecto de saúde pública, a proteção da população contra riscos zoonóticos depende de ações estatais coordenadas. A preparação do SUS para eventuais casos humanos, a definição de protocolos clínicos, a estocagem de antivirais e vacinas (se existissem), tudo isso exige planejamento governamental central. Em situações de crise sanitária, é ao Estado que a sociedade recorre para orientação e apoio. No caso da IAAP, o governo federal instituiu emergencialmente um estado de emergência zoossanitária que lhe permitiu mobilizar recursos financeiros extras e articular diversos órgãos de forma rápida. Nenhum ator privado isolado teria como substituir essa capacidade de mobilização ampla.

Vale ressaltar que, mesmo os produtores e empresas do agronegócio, por mais competentes que sejam em seus negócios, dependem fundamentalmente de um cenário sanitário estável garantido por políticas públicas eficazes. Um surto de gripe aviária foge ao controle individual — ele exige, desde o início, vigilância epidemiológica centralizada, alerta precoce, comunicação unificada de riscos e medidas sincronizadas em todo o território. Esse é precisamente o tipo de desafio em que o poder estatal mostra seu valor insubstituível.

Conclusão: Capacidade Estatal e Investimento Contínuo para Soberania Alimentar

O Brasil enfrenta o atual desafio da gripe aviária de forma coerente e decidida, demonstrando coragem ao adotar rapidamente medidas duras, porém necessárias, como abater plantéis inteiros infectados, suspender exportações de regiões afetadas e impor restrições preventivas em todo o país. Essa prontidão é fruto de anos de construção de capacidade técnica e institucional. A própria demora de quase 20 anos para o vírus enfim atingir uma granja comercial brasileira não foi por sorte, mas sim resultado de medidas preventivas eficazes mantidas ao longo de duas décadas. Ou seja, o esforço contínuo em monitoramento, treinamento e educação sanitária adiou significativamente a entrada da doença no parque produtivo nacional – um feito notável diante da disseminação global do H5N1. Isso deve servir de lição: somente com investimento público contínuo na capacidade estatal, tanto técnica quanto operacional, poderemos manter e aprimorar esse nível de proteção.

Painel do Ministério da Agricultura traz dados atualizados sobre casos de gripe aviária no Brasil. Acesse aqui

A soberania alimentar e sanitária do Brasil – a garantia de que podemos produzir alimentos com segurança e qualidade para nossa população e para outros povos – depende de estruturas públicas sólidas. É imprescindível continuar fortalecendo órgãos como os da defesa agropecuária, as vigilâncias em saúde, os laboratórios de diagnóstico e as redes de pesquisa que dão suporte científico às decisões. Tais investimentos abrangem desde continuar ampliando quadros de fiscais agropecuários, modernizando laboratórios federais e estaduais, até o fomento à formação de especialistas em saúde única. Também é importante continuar aprimorando marcos legais que assegurem ao Estado agilidade de resposta, bem como mantes fundos de emergência para custear ações imediatas (como indenizações a produtores afetados, aquisição de insumos de biossegurança, etc.). Cada real investido em prevenção de doenças animais economiza muitos outros que seriam gastos em crises fora de controle.

Em resumo, a gripe aviária H5N1 está colocando em evidência a capacidade de reação do Brasil. O Estado brasileiro vem encarando o problema de maneira integrada, mobilizando conhecimento científico e ferramentas de gestão para proteger o país de um revés sanitário e econômico. Mas a luta contra ameaças biológicas é contínua – exige vigilância permanente e compromisso político de longo prazo. Reforçar a infraestrutura pública de saúde animal e humana não é apenas uma questão técnica, mas uma escolha estratégica de nação. A soberania e as capacidades estatais são fundamentais para um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento. Ao fazê-lo, asseguramos não somente a retomada rápida diante desta crise imediata, mas também a prevenção de futuras crises, mantendo o Brasil soberano na produção de alimentos e referência mundial em sanidade. Em última instância, defender a sanidade agropecuária com um Estado forte é defender a sociedade brasileira em seu direito à segurança alimentar, à saúde e ao desenvolvimento sustentável.

Luiz Rodrigues é consultor legislativo do Senado Federal e ex-secretário-executivo adjunto do Ministério da Agricultura e Pecuária. Engenheiro agrônomo, é pós-graduado em Relações Internacionais e mestre em Desenvolvimento e Governança.

Fonte: https://grabois.org.br/2025/05/22/gripe-aviaria-desafios-sanitarios-resposta-estatal-e-soberania-alimentar/

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Marcelo Cheli discute o direito financeiro na tutela das finanças públicas

Em artigo publicado no Consultor Jurídico – CONJUR, o advogado do Senado Federal, Marcelo Cheli de Lima, abordou o a expansão do direito financeiro com o advento da LRF e da Lei nº 10.028.

Caráter sancionador do direito financeiro na tutela das finanças públicas

Por Marcelo Cheli de Lima*

O aspecto sancionador do direito financeiro passou por significativa expansão nos anos 2000, especialmente pela entrada em vigor da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei nº 10.028.

Em primeiro lugar, a LRF criou ilícitos institucionais, isto é, condutas praticadas por órgãos ou entidades que podem dar ensejo à aplicação de uma sanção institucional, por exemplo, é requisito essencial de responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente federado. No caso de descumprimento desse requisito, ao ente transgressor poderá ser aplicada uma penalidade, a saber: vedação ao recebimento de transferências voluntárias (sanção institucional).

A proibição de receber transferências voluntárias é bastante prejudicial ao ente da federação, especialmente àqueles entes cuja atividade financeira não é tão pujante a ponto de suprir todas as despesas necessárias à manutenção e prestação dos serviços públicos de sua competência.

No que tange à punição dos agentes públicos individualmente, a LRF não criou nenhum tipo específico na hipótese de descumprimento de suas disposições. No entanto, nos termos do seu artigo 73, prescreveu que as infrações aos seus dispositivos serão punidas segundo o Código Penal; a Lei nº 1.079/1950 — Lei do Impeachment; o Decreto-Lei (DL) nº 200/1967 — crimes de responsabilidade dos prefeitos; a Lei nº 8.429/1992 — Lei de Improbidade Administrativa (LIA).

Todos os diplomas normativos supracitados dispõem sobre ilícitos e sanções pessoais (recaem sobre a pessoa do agente público responsável). São eles: crimes contra as finanças públicas, crimes de responsabilidade ou infrações político-administrativas, crimes comuns e de responsabilidade praticados por prefeitos e atos de improbidade administrativas.

Os crimes contra as finanças públicas estão previstos no capítulo IV do título XI da parte especial do Código Penal (CP). Os referidos delitos foram incluídos no estatuto repressor por meio da Lei nº 10.028. Os oito tipos penais possuem características em comum. Por exemplo, são tipos abertos e normas penais em branco, pois dependem de uma complementação normativa sem a qual não será possível realizar a adequação típica.

Requisitos de crime contra a administração pública

Por se tratar da espécie de crimes contra a administração pública, como regra, os crimes contra as finanças pública não admitem a aplicação do princípio da insignificância ou bagatela, mas não há óbice à aplicação do referido princípio, desde que presentes os seguintes requisitos: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente; (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Os crimes de responsabilidade, por sua vez, emanam da própria Constituição, interessam ao aspecto sancionador do direito financeiro, nos termos do artigo 85, VI, da Constituição, as infrações contra a lei orçamentária.

Os crimes de responsabilidade (infrações político-administrativas) podem levar à perda do cargo (impedimento) do presidente da República entre outras autoridades (ministros de Estado, PGR, ministros do STF etc.). As condutas que infringem a lei orçamentária estão descritas no artigo 10 da Lei de Impeachment.

O DL nº 201 também é importante ao aspecto sancionador do direito financeiro, pois dispõe sobre os crimes de responsabilidade dos prefeitos e vereadores. Com efeito, o artigo 1º dispõe sobre condutas que são consideradas crimes de responsabilidade dos prefeitos, no caso do indigitado dispositivo, o emprego da expressão “crimes de responsabilidade” pelo legislador está equivocado, pois os tipos descritos no artigo 1º são crimes comuns, ficando a cargo do artigo 4º descrever as infrações político-administrativas (crimes de responsabilidade).

Pelo menos, há 16 delitos que guardam relação com o caráter sancionador do direito financeiro, metade inseridos no DL nº 201 pela Lei nº 10.028. Tal fato é mais um indício da ampliação do arsenal sancionador do direito financeiro promovido por esta lei.

O aspecto sancionador do direito financeiro também está presente na LIA, pois o descumprimento de normas da LRF e as lesões às finanças públicas podem dar ensejo à prática de atos de improbidade administrativa (infrações de natureza administrativa).

No caso da LIA, há pelo menos duas espécies de atos de improbidade administrativa que interessam ao direito financeiro: atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário e atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública.

Prejuízos ao erário

Na primeira hipótese, prejuízo ao erário, são atos de improbidade administrativa pertinentes ao direito financeiro: realização de operação financeira irregular, prestação de garantia graciosa, concessão irregular de benefício fiscal e ordenar despesa não autorizada.

Na segunda hipótese, isto é, violação de princípios da administração pública, é ato de improbidade administrativa a omissão na prestação de contas, isto é, o agente público será punido quando deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo e desde que obtenha condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades.

Ainda, no que tange às infrações administrativas, no bojo da Lei nº 10.028, estão previstas as infrações administrativas contra as leis de finanças públicas. São quatro condutas que poderão dar ensejo à aplicação de multa de 30% dos vencimentos anuais do agente público.

Conquanto a ampliação significativa do aspecto sancionador do direito financeiro seja evidente, há poucos autores que se dedicam ao seu estudo, diferente do que acontece, por exemplo, com o direito administrativo sancionador. Todavia, não obstante a anomia de estudos sobre o tema, o caráter sancionador do direito financeiro está sempre presente no debate público, desde o processo de impeachment da então presidente Dilma Roussef.

Ademais, contra o ex-presidente da República Jair Bolsonaro foram protocolados pedidos de impeachment, na Câmara dos Deputados, todos relacionados ao descumprimento de normas jurídicas de direito financeiro. Por exemplo, os pedidos 150 e 152, ambos de autoria do senador Jean Paul Prates, que versavam sobre as práticas denominadas de “pedaladas fiscais” e “orçamento secreto”.

São apenas alguns poucos exemplos, pois os descumprimentos das normas de direito financeiro são corriqueiros no dia a dia dos entes federados, mas não vêm à tona por uma série de fatores.

Conclui-se, portanto, que o aspecto sancionador do direito financeiro foi bastante ampliado com o advento da LRF e da Lei nº 10.028. Tal característica tem como função tutelar as normas jurídicas de gestão fiscal responsável, impondo a aplicação de penalidades pela prática de condutas ilegais capazes de atingir as finanças públicas, bem jurídico relevante à manutenção e prestação dos serviços públicos essenciais fornecidos pelo Estado, e a garantia dos direitos fundamentais da população.

Fonte: https://www.conjur.com.br/2024-ago-31/carater-sancionador-do-direito-financeiro-na-tutela-das-financas-publicas/

*Marcelo Cheli de Lima é advogado do Senado Federal

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Clarita Costa é curadora de evento da OAB-DF sobre violência de gênero

No dia 4 de março, a Representante Especial do Secretário-Geral para a Violência Sexual em Conflitos, Pramila Patten, em coletiva de imprensa na sede da Organização das Nações Unidas, em Nova Iorque, afirmou que a ONU está convencida das claras evidências de crimes de gênero cometidos como práticas sistemáticas e política de guerra da parte do grupo terrorista Hamas na agressão havida a Israel em 7 de outubro de 2023.

Até aquele momento, especialistas, homens e mulheres, em Direito Internacional dos Conflitos Armados ressaltavam que, dos crimes de guerra usuais nos engajamentos armados, o crime sexual não era uma política militar no conflito árabe-israelense.

Infelizmente, o 7 de outubro mudou as nuances de um conflito já dramático, a que o mundo assiste consternado e preocupado.

Tendo havido esse reconhecimento por parte da ONU, há exatos 4 dias, nada mais coerente à Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Distrito Federal, que, no âmbito do seu evento de comemoração ao Dia Internacional da Mulher, faça a sua justa homenagem às vítimas e a seus familiares, dando a eles a voz que tantas vezes foi subtraída.

O evento, que tratou, justamente, da violência de gênero e marca o compromisso da OAB-DF no combate às mais diversas facetas dessa ilegalidade e dessa imoralidade que é a violência de gênero, não poderia se omitir perante fato de relevância internacional.

No hall do edifício da OAB-DF, estarão exibidas 13 ilustrações de artistas israelenses sobre a violência de gênero cometida no 7 de outubro. Uma singela homenagem às vítimas e seus parentes, alguns dos quais brasileiros e brasileiras, sujeitas que foram aos mais atrozes assaltos sexuais, mutilações, torturas físicas e psicológicas. Os reféns, ainda sujeitos a esses crimes.

A exposição “Unindo Vozes contra a Violência de Gênero” também foi sediada no Conjunto Nacional de São Paulo e agora está na UNIBES Cultural, na mesma cidade

Artistas: Geffen Rafaeli, Hagit Frenkel, Keren Shpilsher, Marian Boo, Merav Shinn, Ben Alon, Noa Kelner, Omer Zimmerman, Or Yogev, Oren Fischer, Orit Magia Schwalb, Reut Asimani, Sigal Rak Viente, Tamar Kharitonov e Zoya Cherkassky

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Consultoria de Orçamentos do Senado Federal detalha MP que visa instituir poupança para alunos concluírem o ensino médio

Em nota técnica, a Consultoria de Orçamentos do Senado Federal detalhou Medida Provisória (MP) que tem o objetivo de instituir a denominada “poupança de incentivo à permanência e conclusão escolar para estudantes do ensino médio”, no âmbito do Ministério da Educação.

Pelos critérios de elegibilidade definidos no art. 1º, pretende-se alcançar os jovens de baixa renda regularmente matriculados no Ensino Médio nas redes públicas de ensino e pertencentes a famílias inscritas no Cadastro Único, com prioridade àquelas que tenham renda per capita mensal no limite definido no inciso II do art. 5º da Lei nº 14.601, de 2023.

“O Programa será gerido pelo Ministério da Educação, e sua operacionalização financeira se dará através de um fundo privado criado e gerido pela Caixa Econômica Federal, com participação da União e de outros cotistas (pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado)”, destacou o consultor responsável pela nota.

Acesse a íntegra da nota: https://www12.senado.leg.br/orcamento/documentos/estudos/tipos-de-estudos/notas-tecnicas-de-adequacao-orcamentaria-e-financeira/mp-1198-2023-nota-tecnica-no-46-2023.pdf

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