Texto de Petrônio Portella Filho Consultor do Senado e Doutor em Economia pela Unicamp.

Quando as reformas neoliberais não funcionam, a culpa é dos políticos ou do povo. Por culpa deles, as reformas não foram APROFUNDADAS o suficiente ou que não se esperou TEMPO SUFICIENTE. Estão dando tais desculpas aqui no Brasil.

No caso do Chile, não há como alegar nada parecido. Foram quase 17 anos de ditadura (1973 a 1989), o equivalente a quatro mandatos presidenciais brasileiros. Lá os “cientistas” de Chicago não foram perturbados por detalhes insignificantes como eleições presidenciais, liberdade de imprensa ou direitos humanos. Pinochet assassinou 10 mil e torturou 70 mil. O experimento ultraliberal foi realizado sem interferências “corporativistas”.

No entanto, o fracasso das reformas econômicas de Chicago no Chile foi retumbante. Ele se encontra documentado nas principais estatísticas econômicas — PIB per capita, inflação, distribuição de renda e estabilidade financeira.

O gráfico a seguir mostra que o Chile, antes do golpe tinha mais do dobro (212%) da renda per capita do Brasil. Ele foi devolvido aos civis com 79% da nossa renda per capita. E com apenas 59% da renda per capita média do mundo. Os dados do gráfico são do WDI, banco de dados do Banco Mundial).

O Chile foi, em uma palavra, saqueado. O número de bilionários se multiplicou enquanto o país regredia em todos os indicadores econômicos, sociais e políticos.

A inflação média dos 16 anos de Pinochet foi 107,3%. O Chile só alcançou a estabilização dos preços, que seria a inflação de um dígito, 6 anos após o fim da ditadura militar.

O percentual de famílias chilenas vivendo na pobreza, segundo o censo, saltou de 17% em 1970 para 35% em 1990. O Chile, que tinha distribuição de renda de país europeu, passou a ser um dos países mais desiguais do mundo.

Os Chicago boys fizeram uma liberalização radical do mercado financeiro e cambial. Tal liberalização produziu a segunda maior crise financeira da história da América Latina. O PIB chileno afundou 11% em 1982 e 5% em 1983. O custo fiscal do “experimento de Chicago” chegou a 41,2% do PIB.

O único erro que os Chicago boys não cometeram foi entregar a riqueza nacional — as minas de cobre — para as multinacionais. Pinochet manteve o monopólio estatal do cobre, cuja exploração havia sido estatizada por Salvador Allende em 1971. Este foi o detalhe que permitiu a retomada do Chile após a ditadura.

O Chile é um país riquíssimo em recursos naturais. Segundo o “Total Natural Resources Rent” do Banco Mundial, o Chile é o 3º país mais afortunado do mundo em riqueza natural. Os rendimentos anuais do cobre representam, ao ano, 12.2% do PIB. O cobre representa 50% das exportações chilenas, sendo também fonte preciosa de recursos fiscais e parafiscais. A recuperação chilena pós-ditadura foi impulsionado pelos altos preços do cobre. E ela se deu quase sempre sob governos socialistas, que combateram a pobreza e adotaram políticas keynesianas. Mesmo assim o crescimento do Chile após as reformas de Pinochet foi muito mais lento do que antes das reformas.

Os números do desastre econômico do governo Pinochet são eloquentes demais para serem questionados. Mesmo assim eles não impediram o Ministro Paulo Guedes de dizer que as reformas ultraliberais chilenas “transformaram o Chile em uma Suíça”.

Faz sentido comparar o Chile de 1989 com a Suíça? A renda per capita da Suíça era metade da renda per capita mundial? A Suíça tinha inflação elevadíssima? A Suíça tinha 35% das famílias vivendo na pobreza? A Suíça tinha um regime ditatorial que torturava e matava os cidadãos?

Será que o Guedes não teria confundiu a Suíça com o Haiti? Ou com Uganda?

A aplicação do modelo chileno ao Brasil — através do “teto” dos gastos (que na verdade é um moedor de gastos) — exigirá na prática a destruição da educação pública, do SUS e da Previdência Social. Foi o que aconteceu no Chile. A população brasileira seria forçada a pagar do próprio bolso por escolas, universidades e atendimento médico. Guedes e aliados parecem esquecer que 2/3 da população brasileira está desempregada, ou na informalidade, ou recebe salários miseráveis.

Curiosamente a esquerda chilena, a exemplo de suas congêneres latino-americanas, não teve a coragem política de desfazer as reformas neoliberais. A Constituição de Pinochet foi mantida. Só em 2020, 30 anos após o fim da ditadura, a pressão popular exigiu que fosse feita uma consulta à população.

E o resultado foi que a Constituição de Pinochet perdeu de lavada: 20% a 80%.

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