Sob a égide do atual regime democrático, a CPI se revelou como o mais poderoso instrumento à disposição do Parlamento para viabilizar a sua função fiscalizadora, pois é a única comissão dotada de “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” (Constituição, artigo 58, § 3º), podendo, por exemplo: decretar a transferência de sigilo (bancário, fiscal e telemático); ouvir indiciados; inquerir testemunhas sobre compromisso; etc.

No legítimo exercício de sua função fiscalizadora, a Câmara dos Deputados e o Senado — em conjunto ou separadamente — poderão criar comissões parlamentares de inquérito, por intermédio de requerimento subscrito por, pelo menos, 1/3 dos membros da respectiva Casa. Ainda, as CPIs, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, destinam-se à apuração de fato determinado e por prazo certo.

Portanto, são requisitos de instauração de qualquer CPI: requerimento subscrito por, pelo menos, 1/3 dos membros da respectiva Casa; existência de fato determinado; e prazo certo para conclusão dos trabalhos.

Não obstante a importância de todos os requisitos supracitados, porquanto, a falta de qualquer deles importará na impossibilidade de instauração da CPI, é no “fato determinado” que residem as maiores celeumas, máxime os denominados “fatos conexos”.

O que é um fato determinado?

É todo o fato específico, delineado de modo a não restar dúvida acerca do objeto que será investigado. [1] Todavia, não é incomum a existência de CPI com escopo amplo, por exemplo: violência contra a mulher.

É preciso salientar que não há óbice constitucional à criação de CPI para apurar fatos amplos, pois o objetivo do inquérito parlamentar não se restringe tão somente à apuração de fatos criminosos, mas, outrossim, serve como instrumento profícuo à alteração da legislação vigente e ao aperfeiçoamento de políticas públicas.

Destarte, para fins de instauração de uma CPI, o fato determinado poderá ser amplo, desde que seja, ao menos, determinável.

Mas, e se ao longo dos trabalhos desenvolvidos pela comissão surgirem “fatos conexos”, isto é, eventos não abrangidos no escopo inicial da investigação, mas que com ela guardam alguma relação de pertinência? A investigação de tais fatos é constitucionalmente viável?

A resposta é afirmativa, porquanto as CPIs poderão estender o âmbito de sua apuração a fatos ilícitos ou irregulares que se revelarem conexos à causa determinante de sua criação.
Tal afirmação pode ser corroborada pelos escólios de Paulo Gustavo Gonet Branco, pois, para o autor, “tudo o que disser respeito, direta ou indiretamente, ao fato determinado que ensejou a Comissão Parlamentar de Inquérito pode ser investigado”. [2]

Poder de investigação das CPIs

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) se formou no mesmo sentido, por exemplo, na CPI da exploração sexual de crianças e adolescentes, a 1ª Turma concluiu que: “As comissões Parlamentares de Inquérito têm poderes para requisitar documentos relativos a fatos conexos aos que motivaram sua criação.” (MS 32.239)

Noutra ocasião, restou decidido pelo plenário da Suprema Corte que é viável a extensão dos trabalhos da CPI a fatos conexos ao objeto inicialmente estabelecido (HC 100.341).

No julgamento do HC 71.231, por fim, o plenário do STF deliberou que as CPIs devem apurar fato determinado. No entanto, não estão impedidas de investigar fatos que se ligam com o fato principal. Na ocasião, o inquérito parlamentar colimava apurar ilegalidades na concessão de benefícios previdenciários por autarquia federal — Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) —, mas a comissão também decidiu perquirir atos espúrios relacionados ao parcelamento dos créditos devidos ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) por sociedades empresárias.

Conclui-se, portanto, que, de acordo com a doutrina e a jurisprudência do STF, as CPI podem apurar fatos conexos, desde que guardem algum grau de relação com o seu escopo inicial.

[1] CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992. v. 5. p. 2700.

[2] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. – 8. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2013, p. 854.

Marcelo Cheli de Lima

é advogado do Senado, mestre em Direito Tributário, Financeiro e Econômico pela Faculdade de Direito da USP, pós-graduado em Direito e Economia pela Unicamp e presidente da Comissão de Direito Financeiro, Administrativo e Econômico da OAB/SP, subseção de Sumaré (SP).

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