Matéria veiculada na Globo News de hoje (11/08/2020) informa que o gasto com pessoal das três esferas do governo, União, Estados e Municípios, seria maior do que o gasto com Educação, Saúde e Saneamento e, para comprovar, mostra um gráfico, no qual os gastos com pessoal representam 13,7% do PIB, Educação 6%, Saúde 3,9% e Saneamento 0,2%.

O apresentador pergunta para cada um dos comentaristas o que um empresário da iniciativa privada deve pensar ao ter acesso a essa informação e os comentários foram feitos considerando que isso seria verdade.

Não vamos nos dar ao trabalho de analisar o estudo do Instituto Millenium, no qual se baseou a reportagem, feito com um viés tão distorcido. Ademais, tendo em vista o evidente objetivo de desconstruir o serviço público e, com informações falsas, tornar a aprovação da reforma administrativa (qualquer reforma) uma urgência, entendemos ser mais proveitoso fazer nossa própria análise a partir do zero e mostrar que a realidade é bem outra, qualquer que seja o critério, em especial, porque a premissa principal adotada pela matéria está equivocada.

Fato é que foram feitas comparações de informações absolutamente incomparáveis, porquanto indissociáveis. Despesas de pessoal e encargos consistem do Grupo de Despesa (GND), que divide todas as despesas públicas segundo seis subgrupos: pessoal e encargos sociais, juros e encargos, outras despesas correntes, investimentos, inversões financeiras e amortizações e refinanciamento. Essa classificação permeia todas as políticas públicas, inclusive saúde, educação e saneamento. Ou acaso não seriam consideradas despesas com Saúde os salários pagos a médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, administradores hospitalares, motoristas de ambulâncias etc? Não seriam gastos com Educação os salários de Professores e educadores?

Conceitualmente, para início de conversa, já nem seria possível essa informação de que o gasto com pessoal superaria o gasto com Saúde, Educação etc, como foi informado, porque o gasto com pessoal é parte do gasto com Saúde, e é parte do gasto com Educação e assim por diante. Não se pode imaginar que tipo de soma mal intencionada foi feita para se chegar a uma conclusão ilógica na qual a parte é maior do que o todo e jogar a opinião pública contra o serviço público, mais uma vez.

Assim, continuando a análise com base nos números oficiais, disponíveis para qualquer cidadão em www.sigabrasil.gov.br, em 2020, no Ministério da Saúde, foram destinados, para Pessoal e Encargos Sociais, R$ 18.746 mi, para Outras Despesas Correntes R$ 150.207 mi e Investimentos R$ 5.640 mi. A despesa de Pessoal e Encargos Sociais, portanto, corresponde a 10,7% do total orçamento para o Ministério da Saúde em 2020. Esse era o percentual estabelecido de despesa com pessoal para a Saúde federal no presente exercício.

Na Educação, também em 2020, forma destinados, para Pessoal e Encargos Sociais, R$ 68.973 mi, para Outras Despesas Correntes, R$ 46.078 mi e para Investimentos R$ 3.746 mi. Nesse caso, para pessoal, no Ministério da Educação, foram destinados 58,0% do orçamento para pessoal, o que apenas demonstra ser uma atividade humano-intensiva, com despesas de custeio proporcionalmente menores para a consecução de seus objetivos.

Não há tempo hábil para fazer um levantamento de todos os orçamentos estaduais e comparar as despesas de pessoal com os totais orçados, mas o raciocínio é o mesmo, conquanto a legislação vigente e aplicável também é a mesma. Desse modo, também nos Estados e Municípios, a despesa com Pessoal e Encargos Sociais representa uma parcela do que se destina a funções públicas, como Saúde, Educação, Segurança, Saneamento etc, não tendo como, por óbvio, a parte ser maior do que o inteiro. Nesse caso, por dever de honestidade, alguns percentuais acabam sendo maiores, vez que cabe aos entes federados, mormente no caso da Saúde, a governança da Saúde, com contratação de profissionais para a prestação direta de serviços aos cidadãos.

Em qualquer caso, jamais se aplica uma afirmação como a que foi candidamente veiculada na Globo News, na qual se afirmou que a despesa com pessoal fica acima das despesas com Saúde, Educação e Saneamento. A não ser que a má-fé da fonte utilizada tenha sido tão grande a ponto de se somar a despesa com pessoal de todo o Estado brasileiro, com todas as funções públicas e, aí, compará-las com os valores destinados a Saúde, por exemplo e, ainda assim, sem os salários dos profissionais daquela área. Mas, nesse caso, não vale à pena analisar o trabalho e nem tentar entender os motivos que levaram a realizá-lo dessa forma.

Outras despesas, historicamente, ultrapassam com larga folga as despesas com pessoal, seja ele ativo ou inativo. Dos R$ 4.070 bi orçados para 2020, considerando os três Poderes, o Ministério Público e a Defensoria Pública, por exemplo, R$ 345 bi foram destinados ao pagamento de Pessoal e Encargos Sociais, o que representa 8,5%. As maiores despesas, que o governo sistematicamente se esquece de mencionar têm sido, sempre, Juros e Encargos da Dívida, com R$ 410 bi e Amortização e Refinanciamento da Dívida com R$ 1.193 bi. Juntas, representam 39,4% do total orçado.

As prioridades, como fica claro, está no pagamento de juros escorchantes e no financiamento da ciranda financeira. Os salários miseráveis de professores, médicos, enfermeiros, policiais, servidores públicos em geral, parecem incomodar os que governam o país.

¹ No Maranhão havia uma distribuição de competências na qual todas as atribuições de um Secretário de
Fazenda, com exceção das receitas diretamente arrecadadas, ficam a cargo do Secretário de Planejamento.

Por Fábio Gondim
Ex-Secretário de Estado de Planejamento, Fazenda,
Administração, Previdência, Casa Civil e Saúde.
Consultor Legislativo do Senado Federal.
Vice presidente da Alesfe.

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