Em artigo publicado pelo Valor Econômico, o consultor legislativo do Senado, Helder Rebouças, e o economista Alexandre Manoel, apresentaram um conjunto de sugestões para a regulamentação das emendas ao orçamento, após recente decisão do Ministro Flávio Dino, no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n° 7697.

O que esperar da regulamentação das emendas parlamentares?

Por Alexandre Manoel e Helder Rebouças

A recente decisão do ministro Flávio Dino, no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7697, mantida por unanimidade pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), além de atribuir caráter relativo (e não absoluto) à impositividade das emendas individuais e de bancada estadual, suspendeu a execução dessas despesas até que sejam editadas regras que garantam a transparência e a rastreabilidade dos recursos.

Posteriormente, nota conjunta dos Poderes firmou consenso sobre alguns pontos que serão objeto de regulamentação, referentes à execução dessas emendas. De forma geral, isso diz respeito à evolução exponencial de um montante pago de emendas de R$ 2,4 bilhões (0,04% do PIB), em 2015, para R$ 35,8 bilhões (0,32% do PIB), em 2023.

Essa compreensão do STF sobre a impositividade e moderação na evolução das emendas foi baseada em expresso dispositivo constitucional, que condiciona a execução das despesas a prévio exame de impedimentos de ordem técnica, e reafirma, na prática, que é poder-dever do Executivo não executar despesas de emendas individuais (inclusive as Pix) e de bancadas estaduais em desacordo, por exemplo, com as prioridades das políticas públicas traçadas nos planos de governo.

Até 2014, o poder sobre o orçamento era concentrado no Executivo, de modo que os parlamentares não alinhados ao Planalto tinham dificuldades na execução de suas emendas. Consequentemente, a agenda política seguia sob controle do Executivo, com baixos incentivos às posições discordantes do Legislativo. Nesse ambiente, parlamentares de oposição tinham dificuldade de se eleger.

A natural reação a essa concentração, e o fim do financiamento privado eleitoral, levaram a novas investidas sobre o orçamento, com consequente rearranjo no ordenamento da execução orçamentária. Em que pese a evolução dos valores das emendas no tempo, qualquer comparação internacional dos nossos atuais 0,32% do PIB de emendas requer exame acurado das regras do jogo político-eleitoral de cada sistema tomado como paradigma.

A comparação com o percentual gasto na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, deve levar em conta que quase 80% dos países-membros executam seus orçamentos sob um regime parlamentarista, em que o chefe de governo é nomeado pelo Parlamento e este, naturalmente, não precisa de emenda para exercer algum poder na alocação orçamentária.

Ademais, na OCDE, há também os países que possuem orçamento impositivo, como os Estados Unidos, onde o gestor público é obrigado a executar a despesa que foi determinada pelo Legislativo.

Face ao exposto e, com base na decisão da STF na ADI 7697, apresentamos a seguir um conjunto de sugestões para a regulamentação das emendas orçamentárias, como forma de contribuir no debate:

  • Limitação do crescimento real das despesas das emendas aos mesmos 2,5% estipulados no arcabouço fiscal;
  • Bloqueio ou contingenciamento, devidamente justificado, em igual proporção à limitação realizada nas demais despesas;
  • Emendas Pix (que somaram R$ 21,3 bilhões entre 2020 e 2024): a execução dessas emendas ficaria condicionada à prévia apresentação de um projeto para a aplicação dos recursos pelo beneficiário. Ademais, a classificação dessas despesas seria a mesma adotada pela União para fins de harmonização contábil e controle pelos tribunais de contas. Por fim, os portais de transparência dos entes beneficiários e da União divulgarão amplamente as informações detalhadas dessas transferências;
  • Demais emendas individuais (que somaram R$ 76,4 bilhões entre 2020 e 2024): aqui, a execução dependeria de prévio atesto formal da administração quanto a impedimentos de ordem técnica e aderência da emenda às prioridades da pasta executora. Em complemento, a ocorrência de impedimentos técnicos das emendas seria divulgada nos portais de transparência do governo e comunicada formalmente à Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO), do Congresso. Sugere-se ainda que cada pasta apresente, em anexo ao projeto de lei orçamentária anual (PLOA), suas prioridades de despesas, como forma de colaborar na elaboração de emendas parlamentares;
  • Emendas de bancadas estaduais (que somaram R$ 35,3 bilhões entre 2020 e 2024): propõe-se que a execução dessas emendas esteja condicionada ao exame prévio do Executivo quanto ao caráter estruturante da despesa. A relação de projetos estruturantes de cada Estado, apresentados pelo Executivo estadual, seria um bom roteiro para a elaboração das emendas. Importante também que seja vedada qualquer tipo de alteração nas características das emendas aprovadas no Legislativo, como forma de impedir a sua individualização ou fragmentação;
  • Emendas de comissão (que somaram R$ 23,4 bilhões, entre 2020 e 2024): sugere-se que a sua execução esteja condicionada ao exame prévio do caráter nacional ou regional da despesa, vedando-se qualquer possibilidade de alteração posterior nas características das emendas aprovadas que impliquem individualização ou fragmentação.

A regulamentação deveria ainda, em conexão à transparência e rastreabilidade, adensar, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o explícito princípio constitucional equitatividade orçamentária, a fim de vedar a execução orçamentária com fins discriminatórios, sobretudo em períodos eleitorais.

Ademais, destaque-se que mudanças mais estruturais na engenharia orçamentária brasileira poderão ser alcançadas por meio da aprovação da nova Lei de Finanças Públicas, que substituirá a sexagenária Lei 4.320, de 1964.

Concluindo, a decisão do STF mostra-nos que é possível, dentro das regras constitucionais vigentes, aperfeiçoar o ambiente institucional das emendas ao orçamento, com transparência e rastreabilidade, por meio do exame prévio e criterioso dos impedimentos de ordem técnica, cuja tônica deveria ser analisar a real aderência das emendas às prioridades do planejamento governamental e possibilitar a avaliação da efetividade dos gastos associados. Com isso, haverá moderação, maior competição política e menor ineficiência do gasto público.

Fonte: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/o-que-esperar-da-regulamentacao-das-emendas-parlamentares.ghtml