Por Luciano Henrique Oliveira.
Advogado nas áreas de Direito Constitucional, Administrativo, Regulatório, Civil, Urbanístico e Empresarial.
Consultor Legislativo do Senado Federal.
A lei 13.848/19 modificou sensivelmente a sistemática de substituição dos dirigentes das agências reguladoras nos impedimentos e vacâncias desses cargos.
A lei 13.848/19 (nova lei das agências reguladoras), alterou os arts. 9º e 10 da lei 9.986/00 (antiga lei das agências reguladoras, que também permanece em vigor), modificando sensivelmente a sistemática de substituição dos dirigentes das agências reguladoras em seus afastamentos e impedimentos (temporários), a exemplo de férias, licenças médicas e outras ausências provisórias, bem como no caso de vacância (definitiva) dos cargos, enquanto não se nomeia novo dirigente.
Até então, a regra era que o regulamento de cada agência disciplinasse a substituição dos respectivos conselheiros e diretores, inclusive de seu presidente, em seus impedimentos ou afastamentos regulamentares (eventuais) e, ainda, no período de vacância que antecedia a nomeação de novo conselheiro ou diretor (redação anterior do art. 10 da lei 9.986/00).
Em geral, na ausência do diretor-presidente, seja eventual, seja em razão de vacância, o colegiado escolhia um de seus membros para exercer a presidência interinamente. Hoje, porém, a lei prevê expressamente que apenas nas ausências eventuais do presidente, diretor-presidente ou diretor-geral da agência reguladora as funções atinentes à presidência serão exercidas por membro do Conselho Diretor ou da Diretoria Colegiada indicado pelo presidente, diretor-presidente ou diretor-geral da agência (novo § 9º do art. 5º da lei 9.986/00).
Essa indicação do substituto eventual do presidente pode estar estabelecida previamente ou ser definida no próprio momento do afastamento, para que a substituição possa ocorrer tão logo ocorra o impedimento do presidente. Embora a lei não esclareça, não havendo tal indicação (ex.: presidente acometido por doença súbita), a solução mais razoável parece ser a de que o próprio colegiado decida quem exercerá a presidência interina neste caso, até o retorno do titular temporariamente afastado.
Já no caso de vacância definitiva do cargo de presidente, deve-se adotar hoje a nova sistemática da lista de substituição (nova redação do art. 10 da lei 9.986/00), adiante detalhada, até que seja nomeado o novo presidente. Isso porque, como veremos, a lei não limitou a aplicação da lista de substituição apenas aos diretores ou conselheiros que não exercem a presidência.
Quanto aos demais dirigentes (não presidentes), era comum adotar-se, antes do advento da lei 13.848/19, o mecanismo de substituição recíproca entre eles, como substitutos uns dos outros, seja por motivo eventual, seja por vacância definitiva, até o novo preenchimento. Naturalmente, neste caso, as deliberações do colegiado dependiam da existência de quórum mínimo legal para decidir em cada reunião.
Desse modo, no caso da simultânea vacância definitiva de mais de um cargo do colegiado, tal procedimento, em função da necessidade desse quórum mínimo de deliberação, acabava, muitas vezes, gerando a paralisação do processo decisório da entidade, enquanto não se escolhessem os novos dirigentes ausentes, inclusive porque não havia a autorização legal para que servidores da agência (ou outros agentes públicos) pudessem substituir os conselheiros ou diretores nessas ausências.
Em tal contexto, a grande inovação da lei 13.848/19 (ao dar a atual redação do art. 10 da lei 9.986/00), foi autorizar que, no período de vacância que anteceder a nomeação de novo titular do Conselho Diretor ou da Diretoria Colegiada (inclusive o presidente, pois a lei não o ressalvou), exercerá o cargo vago um integrante de uma lista de substituição previamente estabelecida, formada por três servidores da agência, ocupantes dos cargos de Superintendente, Gerente-Geral ou equivalente hierárquico, isto é, dos cargos do alto escalão da entidade ocupados pelo pessoal da própria agência.
Tais servidores serão escolhidos e designados pelo presidente da República, entre os indicados pelo próprio Conselho Diretor ou Diretoria Colegiada, observada a ordem de precedência constante do ato de designação para o exercício da substituição. Para a montagem desse rol, o Conselho Diretor ou a Diretoria Colegiada deve indicar ao presidente da República três nomes para cada vaga na lista. Cada servidor permanecerá por, no máximo, dois anos contínuos na lista de substituição, somente podendo ser reconduzido a ela após outros dois anos. Frise-se que não foi estabelecida a exigência legal de que o Senado Federal aprove os nomes constantes dessa lista, cujas implicações serão comentadas adiante.
Na ausência da designação da lista pelo presidente da República até 31 de janeiro do ano subsequente à indicação dos nomes pela agência, exercerá o cargo vago, interinamente, o Superintendente ou o titular de cargo equivalente com maior tempo de exercício na função. Note-se que, neste caso, a substituição ocorre sem a definição da lista pelo chefe do Executivo.
Em caso de vacância de mais de um cargo no Conselho Diretor ou na Diretoria Colegiada, os servidores substitutos serão chamados na ordem de precedência na lista, observado o sistema de rodízio. Segundo a lei, aplicam-se ao substituto, enquanto permanecer no cargo de dirigente, os requisitos subjetivos quanto à investidura, às proibições e aos deveres impostos aos membros do Conselho Diretor ou da Diretoria Colegiada.
Note-se, assim, que a lei buscou adotar uma solução para evitar a paralisação das atividades da agência nos casos de vacância (definitiva), principalmente quando ocorre mais de uma ao mesmo tempo, enquanto não se conclui o processo de escolha dos novos dirigentes, o que engloba – lembre-se – a indicação do presidente da República, a aprovação do nome pelo Senado e a efetiva nomeação pelo Executivo após essa aprovação.
No tocante aos efeitos desse novo mecanismo da lista de substituição sobre o equilíbrio entre os Poderes, algumas considerações devem ser feitas. A primeira delas é que, conforme já citado, não há previsão de que essa lista seja também aprovada pelo Senado Federal. Há hoje a possibilidade, portanto, de que decisões regulatórias sejam tomadas por agentes que não foram chancelados pelo Poder Legislativo, o que enfraquece a esfera de fiscalização prévia dos Parlamentares sobre as agências reguladoras.
Naturalmente, a submissão dos nomes dessa lista também à aprovação do Senado geraria os mesmos problemas que hoje ocorrem com o processo de nomeação dos dirigentes definitivos, quais sejam, os atrasos na análise dos nomes em razão das vicissitudes políticas de todo o processo, seja no âmbito do Executivo, seja no do próprio Senado. Nesse sentido, o intuito da norma, conforme dito, foi evitar a interrupção do processo decisório da agência por falta de quórum do colegiado regulador.
Não obstante, se houver acomodação dos Poderes na escolha dos novos dirigentes, uma vez que o problema da paralisação das ações da entidade estará provisoriamente equacionado, haverá o risco de perpetuação da interinidade desses servidores da lista na atuação como conselheiros ou diretores, sem que tenham passado, conforme dito, pelo crivo do Senado Federal, o que certamente não foi o intuito do legislador. A lei não estabelece prazo máximo para a atuação dos membros da lista de substituição, prevendo apenas que o mesmo substituto não exercerá interinamente o cargo por mais de 180 dias contínuos, devendo ser convocado outro substituto, na ordem da lista, caso a vacância ou o impedimento do membro do Conselho Diretor ou da Diretoria Colegiada se estenda além desse prazo (novo § 7º do art. 10 da lei 9.986/00).
A segunda consideração é que a lei prevê que, mesmo na vacância do diretor-presidente, haverá a substituição temporária da função por um servidor da lista. Com isso, a condução das reuniões do colegiado poderá ficar a cargo de um servidor da agência, embora na função de presidente-substituto, com a natural sujeição dos diretores ou conselheiros titulares, no tocante à direção dos trabalhos, a um agente que, na verdade, é apenas um servidor, o qual voltará a ficar sob o poder hierárquico do colegiado após o período de interinidade.
Tal situação pode gerar dois problemas: o primeiro, o surgimento de um desconforto para os dirigentes titulares, que podem não se sentir satisfeitos em ter suas reuniões conduzidas por um servidor da agência que está apenas interinamente na presidência e que, na essência, é um subordinado do corpo funcional; o segundo, a inibição deste servidor que exerce transitoriamente a presidência para agir com independência funcional e mesmo discordar das decisões dos demais conselheiros ou diretores.
Nesse sentido, parece-nos que a engenhosa solução da lista de substituição poderia ser aperfeiçoada, com a exclusão de sua aplicação ao diretor-presidente, o qual seria substituído, também nos casos de vacância definitiva, por um dos membros titulares do colegiado, sendo este, por sua vez, substituído por um servidor da lista durante o mesmo período.
Tal solução, em princípio, poderia ser adotada até mesmo mediante interpretação de regulamento do Executivo (para dar uniformidade de tratamento para todas as agências), sem necessidade de alteração formal da lei. Não obstante, podem surgir vozes contrárias a essa intepretação regulamentar, de modo que, para haver maior segurança jurídica, a alteração legislativa seria a via mais adequada.
A propósito, este foi o entendimento da Advocacia-Geral da União (AGU), que rechaçou a possibilidade de, pela via administrativa, interpretar-se que a substituição do diretor-presidente de agência reguladora poderia se dar sem a aplicação da nova lista de substituição de servidores, adotando-se a possibilidade de essa especial substituição continuar a ser feita por outro diretor da entidade, como era o costume antes da lei 13.848/19. Vejamos.
Não obstante as novas regras legais, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), por meio da portaria 77, de 17 de março de 2020, estabeleceu que, no caso de vacância do cargo de diretor-geral, o cargo seria exercido interinamente pelo diretor previamente designado como diretor-geral substituto, sendo este, por sua vez, substituído conforme o novo mecanismo da lista de substituição de servidores.
Ocorre que essa tentativa foi classificada como ilegal pelo parecer 24/2020/DECOR/CGU/AGU, aprovado pelo Advogado-Geral da União, em 27 de março de 2020. O Parecer reconheceu expressamente que, no caso de vacância tanto do cargo de diretor-geral como dos cargos dos demais Diretores da Diretoria Colegiada, a substituição deverá obedecer à regra do art. 10 da lei 9.986/00 (lista de substituição de servidores), devendo, consequentemente, no caso dessa agência, ser observado o decreto s/nº de 31 de janeiro de 2020, que designou os servidores da ANP que compõem a lista de substituição da Diretoria Colegiada. Em razão desse entendimento da AGU, a ANP acabou revogando a portaria 77, de 2020, por meio da portaria 101, de 30 de março de 2020.
Posteriormente, apenas para os casos de substituições de diretores-presidentes já realizadas antes da data de aprovação do parecer 24/2020/DECOR/CGU/AGU (27/3/20), a AGU entendeu que a substituição nos moldes anteriores, isto é, por outro diretor da agência, poderia ser mantida. Tal posição foi consubstanciada no parecer 35/2020/DECOR/CGU/AGU, aprovado pelo Advogado-Geral da União, em 23 de abril de 2020.
Esse novo Parecer da AGU adotou como fundamentos o art. 2º, XIII, da lei 9.784/99, que veda a aplicação retroativa de nova interpretação pela Administração; e os arts. 23 e 24 do decreto-lei 4.657/42 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro – LINDB), os quais dispõem que a decisão que estabelece nova orientação deve prever regime de transição para que o novo dever seja cumprido de modo proporcional; e que a revisão de norma cuja produção já se haja completado deve levar em conta as orientações da época, sendo vedada a invalidação da situação constituída com base na nova orientação.
Diante desse cenário, em princípio, caso se entenda ser conveniente que a lista de substituição de servidores não deva ser aplicada para a substituição em caso de vacância do diretor-presidente de agência reguladora, será preciso, para que isso possa ser feito com a devida segurança jurídica, uma alteração legislativa no art. 10 da lei 9.986/2000, seja por medida provisória, seja por lei decorrente da aprovação de um projeto de lei ordinária.
Todavia, frise-se que foi apresentado no Senado Federal o projeto de decreto legislativo 343/20, de autoria do senador Marcos Rogério, que busca sustar a eficácia dos citados pareceres da AGU. Na justificação, elaborada com o auxílio do autor deste artigo, consta que a interpretação de que a lista de servidores deva ser utilizada também para o diretor-presidente da agência não se coaduna com o espírito da lei e subverte a própria lógica da atividade regulatória das agências, mencionando os problemas decorrentes dessa interpretação, nos termos já citados acima.
Finalmente, caso se opte pela alteração legislativa formal, a iniciativa do projeto de lei para alterar o alcance da atual lista de substituição, deve ser, rigorosamente falando, do Poder Executivo, uma vez que se trata de matéria referente a entidades da Administração Indireta desse Poder (art. 61, § 1º, II, e, da Constituição Federal). Entretanto, cabe ressaltar que o projeto da nova lei das agências reguladoras foi de autoria de senador (projeto de lei do senado 52/13), de origem parlamentar, portanto, e, mesmo assim, o projeto foi sancionado pelo presidente da República, não se tendo notícia de ação direta de inconstitucionalidade no STF em face dessa lei por suposto vício de iniciativa.
Ante o exposto, conclui-se que:
a) Com a nova redação do art. 10 da lei 9.986/00, em caso de vacância definitiva nos cargos de dirigentes de agência reguladora, inclusive de diretor-presidente, deve ser adotada a nova sistemática da lista de substituição de servidores, enquanto não são nomeados os novos dirigentes;
b) A lei 13.848/19 não trouxe a previsão de que a lista de substituição de servidores seja aprovada pelo Senado Federal, sendo que isso, embora traga agilidade na substituição provisória dos dirigentes das agências reguladoras, permite, por outro lado, que decisões regulatórias sejam tomadas por agentes não homologados pelo Poder Legislativo, situação que pode se perpetuar, em caso de inércia dos Poderes na aprovação dos novos titulares da agência;
c) A previsão de que a lista de servidores seja utilizada também para a substituição do diretor-presidente pode gerar um clima adverso na tomada de decisões no âmbito da agência, seja pelo surgimento de desconforto para os demais dirigentes, que podem não se sentir satisfeitos em ter suas reuniões conduzidas por um servidor subordinado da agência que está apenas interinamente na presidência; seja pela inibição deste servidor para agir com independência funcional e mesmo discordar das decisões dos demais conselheiros ou diretores;
d) Para o aperfeiçoamento legislativo dos pontos acima, caso se entenda conveniente, seria necessária a edição de medida provisória ou a apresentação de projeto de lei que contemple as alterações desejadas, sendo que, em princípio, o projeto de lei deve ser de autoria do Executivo, por se tratar de matéria relativa a entidades vinculadas àquele Poder, mas há o precedente da própria lei 13.848/19, que foi de autoria de Senador e não foi vetada pelo presidente da República nem é objeto de ação direta de inconstitucionalidade por esse motivo.