“Intervenção militar constitucional” é uma contradição em termos. Ou as Forças Armadas se comportam em total obediência às normas constitucionais e aos poderes constituídos, ou rompem com a ordem democrática, praticando um verdadeiro golpe de estado.

Ou há respeito à Constituição, ou intervenção militar: os dois, ao mesmo tempo, é impossível. Nunca é demais lembrar, ademais, que “as Forças Armadas desempenharam importante, mas lamentável, papel político ao longo da história constitucional brasileira”, uma vez que “todas as vezes que assumiram o poder houve ofensa ao estado democrático de direito”; em outras palavras: “sua função preponderante é a defesa do regime democrático, incompatível com qualquer postura tirânica” .
Constituições não têm cláusula de suicídio. Ou, nas palavras de Eros Grau, não se interpreta o direito em tiras . Há que se observar um mínimo de coerência na interpretação das normas constitucionais, em respeito ao princípio hermenêutico da unidade da Constituição . O mesmo texto segundo o qual “todo o poder emana do povo” (art. 1º, parágrafo único) não pode, sem um óbvio desvirtuamento, ser lido como autorizador de uma “intervenção militar” para manietar os poderes constituídos. A mesma Constituição que consagra serem os poderes “independentes e harmônicos entre si” (art. 2º) – cláusula inclusive protegida até mesmo contra emendas constitucionais (art. 60, § 4º, III) – não pode, sob pena de má-fé do intérprete, autorizar que as Forças Armadas dissolvam, expurguem ou ameacem os membros de qualquer dos Poderes. Eventuais vicissitudes da relação – às vezes tensa – entre os órgãos da soberania é resolvida justamente pelo mecanismo de freios e contrapesos, que evita o abuso e o arbítrio de qualquer deles.
Interpretar que a Constituição da redemocratização e do repúdio ao autoritarismo permitiria que as Forças Armadas exercessem qualquer função de “moderação” entre os Poderes seria ir de encontro a todos os fundamentos que a própria CF reconhece. Defender que Exército, Marinha ou Aeronáutica possam tutelar o exercício das funções constitucionais de qualquer Poder, ou, pior ainda, “puni-los” ou sobre eles tomar providências seria ainda pior, pois corresponderia à mera e simples ruptura da ordem constitucional – ou, em palavras simples, ao golpe de estado.

Autor: João Trindade Cavalcante Filho

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Nota Informativa nº 2.928-2020 – O papel e os limites das Forças Armadas em conflitos entre os Poderes da República