José Mariante, ombudsman da Folha, observou que, ao noticiar o conflito entre Lula e o Presidente do Banco Central, os jornais abdicaram do contraditório e formaram um “cercadinho do mercado”. Lula foi acusado de defender a “gastança” e “gambiarras fiscais”. A ameaça de Lula ao dogma sacrossanto da “independência do Banco Central poderia trazer consequências no mínimo catastróficas, no máximo apocalípticas.

Há várias imprecisões em tal narrativa. O Banco Central do Brasil não é independente, ele é autônomo. O BC é uma autarquia federal que presta contas ao Senado Federal. O BC tem autonomia para fixar a taxa de juros básica, a Selic, em reuniões de um colegiado chamado Copom. Mas a fixação da Selic pelo Copom deve tomar por base a meta de inflação fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

O governo federal tem maioria no CMN, que é presidido pelo Ministro da Fazenda. Então as decisões sobre metas de inflação são da alçada do governo federal. Em tese, quanto mais baixa a meta de inflação mais alta tende a ser a taxa básica de juros.

Lula sugeriu o aumento das atuais metas de inflação, formuladas por um CMN presidido por Paulo Guedes. Elas são irrealistas: 3,25% para 2023, e 3% para 2024 e 2025. Durante os 24 anos de metas de inflação no Brasil, o IPCA médio foi de 8,5% e só em 2017 ficou abaixo de 3%.

É estranho que Campos Neto, o atual Presidente do BC, passe por centurião da austeridade, quando ele aumentou os juros de forma irresponsável. Quando a autonomia do BC foi instituída pela Lei Complementar nº 179 de 2021, a Selic estava em 2%. Desde então ela foi aumentada para 13,75%. A onda inflacionária é global, mas nenhum outro BC multiplicou a taxa básica por sete.

Uma Selic de 13,75% implica gasto financeiro anual de quase 800 bilhões para o setor público. O BC fixou a maior taxa real do mundo — em uma economia com alta capacidade ociosa e alta inadimplência — para combater uma inflação de custos herdada do exterior.

Descontada a inflação, temos uma Selic real de 8%, que representa o dobro da segunda maior taxa básica real do mundo. Uma taxa tão alta estimula o rentismo em detrimento do investimento produtivo. Isso é trágico porque o Brasil precisa de investimentos para voltar a crescer. O PIB do Brasil cresceu apenas 0,3% ao ano no pós-Impeachment (2016-2021).

O conflito entre Lula e o BC começou em 1° de fevereiro, quando o Copom divulgou nota “dura” insinuando, nas entrelinhas, que Lula era um risco fiscal e que por isso manteria a Selic em 13,75% até o fim de 2023 e talvez em 2024.

O histórico de Lula não o torna suspeito de risco fiscal. A desconfiança do Copom é injustificada. Lula foi o presidente que governou com mais responsabilidade fiscal. Seu governo gerou Superávit Primário em todos os oito anos de mandato, sendo que o superávit anual médio foi de 2,2% do PIB.

Onde e quando déficits primários e “gambiarras fiscais” ocorreram, o Copom foi menos combativo. Guedes gerou Déficit Primário médio de 290 bilhões no triênio 2019-21, deu calote em precatórios, aprovou PEC eleitoreira, distribuiu 54 bilhões em emendas secretas e gastou, acima do teto, 795 bilhões.

Que o BC e o “cercadinho do mercado” deixem Lula governar. Ele colheu resultados melhores do que seu antecessor, FHC. Durante sua gestão, a taxa média de inflação baixou de 9,2% para 5,8% e a taxa média de crescimento aumentou de 2,7% para 4,1%.

É covardia comparar a gestão Lula com a de Jair Bolsonaro, mas vamos lá. O PIB cresceu apenas 1,5% ao ano, com inflação média de 7,9%, durante a gestão de JB, o bem-amado do Campos Neto.

A Quaest realizou pesquisa sobre a contenda entre Lula e o BC. Apesar da cobertura desequilibrada da imprensa (denunciada pelo ombudsman da Folha), 76% dos entrevistados deram razão a Lula e apenas 14% ao Presidente do BC. Lula teria apoio popular para fazer faxina na diretoria do BC, ocupada por bolsonaristas e ultraliberais.

O que Lula deveria fazer era negociar com o Congresso a revogação da LC que concedeu a autonomia ao BC. Depois, em cadeia nacional de rádio e TV, denunciar os juros escorchantes que sufocam e economia brasileira e comunicar sua decisão de “desbolsonarizar” o Banco Central.

Petronio Portella Filho

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