Em artigo conjunto publicado no Consultor Jurídico – CONJUR, os Consultores Legislativo do Senado Federal, Marcus Peixoto e Paulo Viegas, e a professora titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, advogada e coordenadora do Observatório para Qualidade da Lei e do LegisLab, Fabiana Soares, detalharam a Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono.

Elaboração da Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono

Legislações para o desenvolvimento frutificam no contexto dos avanços tecnológicos e visam impulsionar, de modo planejado, a solução de problemas públicos, sobretudo com impactos intergeracionais. No caso, os efeitos dos combustíveis fósseis sobre a temperatura do planeta, a geopolítica da União Europeia, novas possibilidades para a matriz energética brasileira e condições geográficas favoráveis, fomentam a aposta no hidrogênio.

O gás hidrogênio (H2) possibilita a utilização da sua energia para consumo em outro local distante da sua extração. É obtido, sobretudo, a partir de processos industriais em diferentes cadeias produtivas [1], dentre eles o de reforma a vapor do metano (SMR, na sigla em inglês), a principal forma de produção de hidrogênio nas indústrias química e do petróleo.

Já o hidrogênio oriundo do processo de gaseificação do carvão decorre da conversão do carvão em gás de síntese (monóxido de carbono e hidrogênio). Um terceiro processo industrial utiliza a biomassa (resíduos agrícolas e florestais) para produzir gás de síntese, também purificado para a obtenção do hidrogênio. Por sua vez, o hidrogênio verde (baixo carbono) é gerado a partir das fontes renováveis como hídricas, eólica, solar fotovoltaica , processado via eletrólise (passagem de uma corrente elétrica por H2O, separando essa molécula em O2 e hidrogênio H2[2].

A produção de hidrogênio durante o refino do petróleo e processamento de gases pode ser considerada incidental, sendo usado para a remoção de impurezas. Pode, ainda, ser utilizado para outras finalidades, como na produção de energia ou como insumo de outros processos.

Cada cadeia produtiva tem vantagens e desvantagens no que tange a custos, eficiência e impacto ambiental para produção de hidrogênio. Desde 2010, sobretudo, nos anos de 2018 e 2019, surgiram em diversos países iniciativas governamentais e empresariais voltadas para o desenvolvimento e uso do hidrogênio para fins energéticos. Alemanha, Reino Unido, Coreia do Sul, Austrália e China lançaram políticas para impulsionar o uso do hidrogênio em setores como transporte, indústria e energia.

Em 2020, o interesse da União Europeia e os investimentos em hidrogênio aumentaram a necessidade de soluções para a redução das emissões de carbono, dependência de gás natural de sua matriz energética, enfrentamento das mudanças climáticas. Foram anunciados projetos [3] de hidrogênio verde, inclusive no Brasil [4], que podem produzir esse tipo de combustível a um custo relativamente baixo, a partir de eletricidade gerada por fontes renováveis

No Brasil, as diferentes formas de produção de hidrogênio resultam na formação de grupos de interesse nem sempre alinhados entre si, pois os diferentes processos de produção do hidrogênio têm necessidades diversas e também aplicações variadas (com fins puramente energéticos, como insumos de produção ou para fins de locomoção/transporte).

A diversidade na indústria do hidrogênio pode levar ao alinhamento ou não de diversos interesses econômicos, inclusive regionais. As questões sensíveis sobre o tema incluem: a governança regulatória; a classificação do hidrogênio (em cores ou em “rotas” de produção); a certificação do hidrogênio produzido; os subsídios requeridos (sobretudo de natureza regulatória e tributária); as formas de financiamento dos respectivos investimentos; e os impactos dos projetos com relação a questões de sustentabilidade ambiental, incluindo o uso da água. Identifica-se a ação de grupos de interesse que se organizam em função, sobretudo, do processo ou cadeia produtiva envolvidos (cadeia do gás, do etanol, e da geração de energia — hídrica, eólica ou solar fotovoltaica), ou de interesses econômicos regionais específicos.

Projetos de lei e outras frentes

No Congresso Nacional tramitam vários projetos sobre a produção do hidrogênio verde, hidrogênio de baixo carbono e hidrogênio renovável: 1) O PL 725/2022 disciplina a inserção do hidrogênio como fonte de energia no Brasil, e estabelece parâmetros de incentivo ao uso do hidrogênio sustentável; 2) O PL 3.452/2023 dispõe sobre conceito e incentivos ao uso energético do hidrogênio no Brasil; 3) O PL 4.907/2023 estabelece a definição legal, setorial e de licenciamento ambiental de hidrogênio verde; e 4) O PL 1.086/2024 altera a Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, a Lei de Licitações e Contratos Administrativos, para estabelecer margem de preferência para os modelos movidos a biocombustíveis ou a hidrogênio nas compras e locações de veículos automotores, bem como para os biocombustíveis e o hidrogênio verde nas compras de combustíveis para o abastecimento de veículos automotores. Mas há outros, e ainda mais importantes.

Na Câmara dos Deputados foi criada em março de 2023 a Comissão Especial Transição Energética e Produção de Hidrogênio Verde (Ceenerg), com 34 membros titulares e 34 suplentes. A Ceenerg apresentou, como fruto de seu trabalho, o PL 5.751/2023, que institui o marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono, dispõe sobre a Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono, seus princípios, objetivos, conceitos, governança e instrumentos, alterando a Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, a Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, a Lei nº 9.991, de 24 de julho de 2000, a Lei nº 10.438, de 26 de abril de 2002, a Lei nº 10.848, de 15 de março de 2004, Lei nº 11.508, de 20 de julho de 2007, a Lei nº 14.182, de 12 de junho de 2021. Foi distribuído às Comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS), onde aguarda relatório do Dep. Fernando Mineiro (PT-RN); Minas e Energia (CME); Finanças e Tributação (CFT) e Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

No Senado a Resolução nº 2 de 16/03/2023 chegou a criar a Frente Parlamentar de Fomento do Saneamento Básico, do Hidrogênio Verde e do Crédito de Carbono, mas a Frente não chegou a ser instalada. O Ato do Presidente do Senado Federal n° 4, de 14 de março de 2023 criou a Comissão Especial para Debate de Políticas Públicas sobre Hidrogênio Verde (CEHV).

O debate sobre hidrogênio verde teve início e continuidade, no Senado Federal com dez senadores e seu presidente o senador Cid Gomes e como relator, o senador Otto Alencar. A CEHV realizou 16 reuniões, desde quando foi instalada, em abril de 2023, até junho de 2024, das quais oito foram audiências públicas, que receberam quase 50 convidados palestrantes, de diferentes entidades dos setores público e privado.

Todas as audiências, relacionadas na página da CEHV na internet, foram transmitidas online pelo canal do YouTube do e-Cidadania. Audiências foram realizadas fora do Senado Federal, como a que ocorreu no Porto de Pecém, no Ceará.

A CEHV recebeu cinco projetos de lei para sua análise, mas que não tramitaram apensados: 1) O PL 1.878/2022 cria a política que regula a produção e usos para fins energéticos do Hidrogênio Verde; 2) O PL 1.880/2022  dispõe sobre o programa de incentivos para a produção em escala de células de combustível, aproveitando o potencial das cadeias de valor do hidrogênio, etanol e biogás (ambos de iniciativa da Comissão de Meio Ambiente — CMA, do Senado); 3) O PL 2.308/2023 (iniciativa da Câmara dos Deputados) institui o marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono; 4) O PL 3.173/2023, do senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP) propõe, o Programa Nacional do Hidrogênio Verde (Prohidroverde), destinado a fomentar a produção, distribuição e utilização de hidrogênio gerado a partir de fontes renováveis de energia; e 5) O PL 5.816/2023, de iniciativa conjunta do senador Fernando Dueire (MDB-PE), senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP), senador Cid Gomes (PDT-CE) dispõe sobre a indústria do hidrogênio de baixo carbono e suas tipificações; a sua respectiva estrutura e fontes de recursos, e altera a Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, a Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, a Lei nº 10.438, de 26 de abril de 2002, a Lei nº 11.488, de 15 de junho de 2007, Lei nº 11.508, de 20 de julho de 2007.

O PL 5.816/2023, que havia sido distribuído para análise terminativa da CEHV, recebeu 14 emendas e já em 14/12/2023 teve aprovado o relatório apresentado pelo Senador Otto Alencar (relator). Como não foi interposto recurso para apreciação da matéria pelo Plenário, o PL foi encaminhado em 28/12/2023 para análise da Câmara dos Deputados, onde foi apensado ao PL 5751/2023, acima citado. Os PLs 1878 e 1880, ambos de 2022, tiveram aprovado na CEHV parecer pela prejudicialidade, em vista da aprovação do PL 2308/2023 em Plenário. O PL 3173/2023 foi distribuído para análise da CEHV e CMA, foi encaminhado a essa Comissão, onde aguarda relatório do Senador Otto Alencar.

O mais importante dos projetos citados acima é o PL nº 2.308, de 2023, que foi encaminhado ao Senado em 1 de dezembro de 2023. A CEHV, que já vinha analisando os demais PLs originados no Senado, aprovou em 12 de junho, requerimento de votação em urgência no Plenário, apresentado pelo relator senador Otto Alencar, que em 24/4/2024, passado, já havia apresentado a primeira versão de seu relatório.

Emendas

Proposições legislativas iniciadas na Câmara que tenham sido aprovadas no Plenário devem receber o mesmo tratamento quando chegam ao final de sua tramitação no Senado, sendo analisadas pelo Plenário desta Casa revisora. Entre 3 de maio e 19 de junho foram apresentadas 42 emendas ao PL 2.308/2023 por diversos senadores, as quais foram tratadas (rejeitadas ou aceitas, integral ou parcialmente) pelo relator que as reuniu em duas novas emendas, 43 e 44, tendo apresentado novas versões do relatório.

Finalmente, em 3 de julho, a Emenda nº 45, do senador Fernando Farias, apresentada à redação final, foi acatada pelo relator e aprovada em Plenário com o Parecer nº 102, de 2024-PLEN/SF, da Comissão Diretora, aprovando a nova redação final. Em 9 de julho o Autógrafo do PL 2.308/2023 foi encaminhado à Câmara, onde foi distribuído para análise da CME, CFT e CCJC. O deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) relatou o PL em Plenário, como relator dessas três comissões, e a redação final da matéria foi aprovada, em 11/7/2024, tendo sido o autógrafo, o PL 2.308-C/2023, encaminhado à sanção presidencial em 16/7/2024 por meio da Mensagem nº 31/2024.

Disposições

Pela ementa do PL, em 40 artigos, este institui o marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono; dispõe sobre a Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono; institui incentivos para a indústria do hidrogênio de baixa emissão de carbono; institui o Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Rehidro); cria o Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC); e altera as Leis 9.427, de 26 de dezembro de 1996, e 9.478, de 6 de agosto de 1997.

Há que se aguardar a sanção total ou parcial (com vetos) pelo Poder Executivo, cujo prazo é de 15 dias úteis, contados do recebimento da mensagem, ou seja, até 6 de agosto de 2024. Após a publicação da lei no Diário Oficial da União pela Imprensa Nacional, finalmente o país contará com um marco legal do hidrogênio verde. Porém, os demais Projetos de Lei ainda em tramitação poderão alterar ou complementar esse marco legal, assim como as agências reguladoras sensíveis ao tema: Aneel, ANA, ANM, o farão, no âmbito de suas competências.

Fonte: https://www.conjur.com.br/2024-jul-23/a-elaboracao-da-politica-nacional-do-hidrogenio-de-baixa-emissao-de-carbono-parte-1/