No artigo “Risco Fiscal e Cegueira da Política”, Estadão, 27/10/25, o ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola acusou a Constituição de 1988 de ser “a gênese dos problemas fiscais”. A Carta Magna teria sido “pródiga na criação de direitos onerosos”. 

Pouco importa que a Constituição tenha sido redigida por uma Assembleia Nacional Constituinte e expresse a vontade do povo brasileiro. Ela não serve para a Faria Lima. Talvez a próxima Constituição deva ser redigida pela diretoria do Banco Central.

Loyola vai além. Julga-se no direito de cobrar de Lula um “ajuste estrutural das contas públicas”, algo que Lula não prometeu em sua plataforma eleitoral. Loyola sinaliza quem deve pagar o preço. O “ajuste estrutural” vai exigir a revogação de “medidas populistas” como o reajuste do salário mínimo e cortes profundos nos gastos sociais. 

Tal “ajuste fiscal estrutural” seria na prática uma revogação dos “direitos onerosos” denunciados por Loyola e, portanto, uma desobediência à Constituição. 

Alguém precisa informar isso aos Ministros Fernando Haddad e Simone Tebet. Eles tentam vender a Lula o tal “ajuste fiscal estrutural”. Ou seja, Loyola & Cia à boca grande e Haddad e Tebet à boca pequena pedem que Lula traia a Constituição e traia seus eleitores para afastar o abominável “risco fiscal”. 

Ocorre, no entanto, que o “risco fiscal” denunciado por Loyola e economistas do mercado é algo subjetivo. Não é um dado econômico concreto. É o resultado das projeções dos sentimentos, desejos e preconceitos da Faria Lima. 

Os economistas do mercado formam um oráculo pouco confiável, algo que tem sido mostrado ano após ano. Eles erram 95% das projeções, mas não perdem prestígio com a mídia. Tampouco perdem a vaidade e a arrogância. Continuam se achando sábios. 

Loyola denuncia no artigo “pequenos e grandes assassinatos fiscais” que logo trarão “resultados macroeconômicos funestos”. Notaram a linguagem carregada e alarmista? Notaram o dom da profecia? Todos eles fazem isso. Ignoram o presente e projetam um futuro distópico (se o governo for de esquerda) ou utópico (se ele for de direita). 

O alarme fiscal de Loyola reflete o mundo real? Vejamos. O Brasil de Lula aumentou o crescimento econômico, reduziu a inflação, diminuiu a desigualdade e reduziu o desemprego a um mínimo histórico. E fez tudo isso cumprindo a meta do arcabouço fiscal. 

Como está a política fiscal do Brasil comparada com a do resto do mundo? Vou citar dados internacionais sobre o Déficit Primário do Governo Geral. Minha fonte é a última edição (15/10/25) do Monitor Fiscal do FMI. 

Resultado Primário do Governo Geral como percentagem do PIB em 2024:

Média Geral -3,5%,

Brasil -0,2%, 

Ásia -5,7%,

Europa -2,7%, 

G20 Emergente (inclui BRICS) -4,1%.

Os dados mostram que o Brasil é um exemplo internacional de austeridade fiscal, como diz André Roncaglia, representante brasileiro no FMI. Isso não é tão bom quanto parece. 

O conceito de resultado primário utilizado no Brasil é rigoroso demais, pois trata os investimentos do governo como despesa. Ele amarra as mãos do governo. O Brasil é pobre e precisa de investimentos para crescer. 

O Arcabouço Fiscal do Haddad procura atender ao lobby austericida da Faria Lima. Outra concessão foi a escolha da diretoria do Banco Central. O presidente do BC, Gabriel Galípolo, é mais altista de juros do que Campos Neto. Nem assim os farialimers ficaram satisfeitos. Vivem a atacar o governo Lula, exigindo mais cortes. 

O Boletim do Tesouro Nacional publica dados sobre o Resultado Primário do Governo Central. As médias anuais dos últimos governos, como percentual do PIB, foram: 

Lula 1 e Lula 2, 8 anos:  2,1%,

Dilma, 5 anos: 0,6%,

Temer, 3 anos: -2,1%,

Bolsonaro, 4 anos: -2,7%. 

É preciso fanatismo para examinar as estatísticas oficiais e não perceber que Lula e Dilma foram mais austeros do que Temer e Bolsonaro. Mas Gustavo Loyola conseguiu fisgar um ano isolado que confirma seus preconceitos. Em 2022, Bolsonaro obteve superávit primário do governo central de 0,5% do PIB. 

Aquele superávit foi criticado pelo TCU e pelo Ipea, entre outras instituições.  “Receitas extraordinárias mascararam deterioração estrutural”, Ministro Bruno Dantas (Acórdão 2.669/2023). “Gastos eleitoreiros foram financiados por receitas de petróleo, não por ajuste fiscal”, IPEA. 

Gustavo Loyola não é exceção. Pesquisas Genial/Quaest mostraram que 96% dos “analistas” da Faria Lima desaprovam Lula e 82% votaram em Bolsonaro. As concessões de Lula à Faria Lima me fazem lembrar a advertência de Churchill aos que tentaram acalmar Hitler: “O apaziguador é alguém que alimenta um crocodilo esperando ser devorado por último”.

Petronio Filho

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Foto Amanda Perobelli/Reuters via BBC