Os três presentes árabes recebidos por Jair Bolsonaro somam 20 milhões de reais. O salário teto do funcionalismo, após os descontos, é de 300 mil por ano. Para amealhar 20 milhões, um presidente precisaria economizar o salário integral durante 66 anos.

Leio nos jornais que o governo de Jair Bolsonaro realizou 150 viagens oficiais para a Arábia Saudita, o país de origem dos presentes. Dá uma média de três viagens oficiais por mês. Não é um número excessivo? As viagens teriam alguma relação com os presentes?

Seria leviano tirar conclusões. Mas urge a realização de uma CPI. Os presentes árabes, por seu valor excessivo e pelo modo furtivo como entraram no Brasil, não levantam a suspeita de serem propinas?

Então por que a palavra propina não aparece nas manchetes nem nos editoriais sobre o caso das joias? Como é possível que Sergio Moro e Deltan Dallagnol, que defendem condenações por convicção (sem provas) — sigam defendendo alguém como Jair Bolsonaro?

Acho que já vi esse filme. E temo que o escândalo caia no esquecimento sem que a palavra corrupção seja associada ao ex-presidente.

Em 30/08/22, reportagem do portal UOL revelou que 107 imóveis foram adquiridos pelo clã Bolsonaro, sendo 51 em dinheiro vivo e 26 com a forma de aquisição indeterminada. A principal autora denunciou as compras de imóveis como lavagem de dinheiro das rachadinhas. Em valores de hoje, as compras totalizaram 45,5 milhões, sendo 26,5 milhões em dinheiro vivo.

Escrevi texto sobre as dificuldades envolvidas na compra de imóveis em dinheiro vivo. O legislador pressupõe que tais transações sejam lavagens de dinheiro ilícito. A partir de 50 mil reais, o cliente tem que provar que não é laranja. Tem que preencher os dados seus e os do destinatário do saque, comprovando a origem lícita e a destinação lícita do dinheiro. E as informações são automaticamente encaminhadas para o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

Se o laranja quiser sacar 7 milhões sem alertar o Coaf, precisaria realizar 143 viagens ao banco para realizar saques de 49 mil. Mas saques de tal valor teriam que ser comunicados com antecedência de um a três dias úteis. Se o laranja realizar um saque por semana, precisaria de quase três anos para sacar 7 milhões. Por que uma família de políticos honrados se daria ao trabalho hercúleo de realizar 51 (ou talvez 77) compras de imóveis em dinheiro vivo?

Quando estourou o escândalo da Imobiliária Bolsonaro, achei que o então presidente estava acabado. O escândalo explodiu um mês antes das eleições. Mesmo assim a grande imprensa tirou o assunto de pauta. E, durante a eleição presidencial, quem era acusado de corrupção por jornalistas era quase sempre o Lula. No último debate, Bolsonaro se vangloriou de ter acabado com a corrução sem ser contestado por William Boner, Renata Vasconcelos e Lula — três apáticos.

No meu livro, mostrei que várias instituições de perfil liberal, como Transparência Internacional, Organized Crime and Corruption Reporting Project e Banco Mundial, constataram aumento da corrupção durante a gestão Bolsonaro. As duas primeiras instituições foram eloquentes em denunciar o desmonte da estrutura legal de combate à corrupção e as três demissões da direção da Polícia Federal. Nenhum jornal jamais destacou tal informação.

O Brasil é um país onde a grande imprensa age como se não acreditasse na possibilidade de um presidente de direita ser corrupto. Desde que ele pratique política econômica servil ao Mercado, especialmente ao sistema financeiro, ele será sempre inocente aos olhos da mídia.

Petronio Portella Filho

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