A ideia é bem simples e não faz o menor sentido: o cidadão pagará, voluntariamente, pelos investimentos da empresa privada multinacional. Mas, detalhe: os lucros gerados por esse investimento NÃO SERÃO distribuídos a você, cidadão pagante.

A coisa é tão estapafúrdia e vergonhosa, que o prefeito “enfiou”, no enredo, essa história de que a tal “taxa” ou “contribuição” seria paga voluntariamente. Seria paga quando, se e no valor que o cidadão desejasse.

Você acredita nisso? Nem eu…

Mas, todas essas consequências já estavam previstas. Aberrações como essa decorrem da falsa noção, “vendida” ao cidadão comum, de que a empresa, em mãos privadas, tenha o “dom da multiplicação”. Não apenas não tem, como também é muito mais difícil, para uma empresa privatizada, manter o nível da provisão de utilidade pública ao consumidor e à sociedade.

A razão dessa dificuldade é muito simples: há forte concurso pelos recursos da empresa. De um lado, concorrem o mercado consumidor, a sociedade e os investimentos requeridos, como esse de enterrar os fios da rede de energia. Do outro lado, há os detentores do capital societário, os acionistas, os investidores de risco. E a empresa privatizada não tem o propósito de agregar valor e entregá-lo à sociedade. Ele agrega esse valor e apropria-se dele, em caráter privativo, tanto quanto puder. É de sua natureza agir assim. Esta é sua função básica: gerar valor para seus donos ou acionistas. Num jargão bem americanizado: “shareholders first”.

Por isso, agora pipocam críticas, na mídia, ao processo de privatização de empresas de energia. É marketing. É contenção de danos. As críticas são calculadas e buscam salvar as aparências do conceito geral de privatização, pois a ideia é continuar privatizando. Para tanto, prometem que, doravante, as empresas privatizadas estarão sujeitas a “servidões”. Não ficarão “soltas” para fazerem o que quiserem. Na verdade, a julgar pelo que ocorre em São Paulo, para não fazerem.

Essa aflição para vender empresas estatais deve sempre levantar questionamentos e suspeitas. De cara, porque a empresa estatal e o mercado em que ela opera são ativos valiosíssimos. E é nesse valor que os interessados estão de olho. Além disso, porque o intuito não é trabalhar para você. Com a privatização, a empresa e seu mercado viram um negócio como outro qualquer. A empresa privatizada passa a trabalhar de acordo com os interesses de seus novos donos. Você fica fora da equação.

Sendo assim, nada de tributar o consumidor. Os recursos para enterrar a rede de energia podem provir de aumento de capital. A concessionária pode lançar ações, visando financiar os correspondentes investimentos, assim remunerando os investidores e evitando repassar ao consumidor um ônus que nunca foi seu: o de arcar diretamente com os investimentos em infraestrutura de distribuição de energia.

Fernando Veiga Barros e Silva

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