O arado torto dos quilombolas

Com 400 mil exemplares vendidos, Torto Arado é um fenômeno de vendas. Escrito por Itamar Vieira Júnior, um afrodescendente quase desconhecido, o livro foi publicado e premiado primeiro em Portugal, depois no Brasil. Ele recebeu cotação máxima, cinco estrelas, na Amazon Brasil.

É leitura essencial para entender quem são os quilombolas, embora a palavra praticamente não seja usada no livro. O autor procura narrar vidas, sem tinturas ideológicas. Só lá pela metade do livro, o autor menciona a cor da pele dos protagonistas. São negros retintos, descendentes de escravos, que vivem “de favor” em uma grande fazenda. São três os personagens principais: Zeca Chapéu Grande, líder religioso e curandeiro, e suas filhas Belonísia e Bibiana. São vidas interessantes e dignas, apesar da pobreza extrema.

A abolição da escravatura e as fugas de escravos deixaram muitos negros sem moradia e sem trabalho. Foram acolhidos por proprietários rurais que lhes ofereciam trabalho e o direito de construir casas de barro, sem alvenaria. Não recebiam salário e viviam daquilo que plantavam, dividindo parte da colheita com o dono da terra.

Os quilombolas da primeira geração sabiam o que era vagar sem eira nem beira. Eram analfabetos. Não recebiam salário, viviam em situação análoga à escravidão, mas se sentiam em dívida com os que os tinham acolhido. Só os da segunda geração aprenderam a ler e tomaram conhecimento dos direitos trabalhistas. Foi quando surgiu o conflito social. Começaram a lutar pelo direito à terra que cultivaram durante um século sem remuneração.

Torto Arado nem sempre é leitura leve. Há muita pobreza, sofrimento e injustiça. Só na terceira e última parte os personagens quilombolas conseguem justiça. O final é surpreendente e muito original, mas prefiro não entrar em detalhes para não estragar a surpresa. O fato é que o brasileiro deveria parar de se vangloriar de viver numa democracia racial e conhecer melhor a história do seu país.

O Brasil teve sua economia ligada ao trabalho escravo durante 388 anos (74% de sua história). Dois pesquisadores da Universidade de Cambridge, David Eltis e David Richardson, passaram 12 anos analisando os registros das 35 mil viagens de navios negreiros. Dos 12,5 milhões de africanos sequestrados, dez milhões sobreviveram, dos quais 5,8 milhões vieram para o Brasil. Portugueses e brasileiros foram os maiores traficantes de escravos da história. Além disso, o Brasil foi o maior importador de escravos e o último país das Américas a abolir a escravatura.

Torto Arado mostra que o drama dos afrodescendentes não terminou com a Lei Áurea. Eles saíram da escravidão para um tipo cruel de servidão. Felizmente as novas gerações têm lutado por seus direitos. O direito dos quilombolas à terra que ocuparam tem respaldo constitucional desde 1988. Nos termos do art. 68 da ADCT, “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.

Infelizmente, 34 anos mais tarde, o art. 68 da ADCT ainda não foi devidamente cumprido. O IBGE, através do Censo 2022, contou pela primeira vez a população quilombola do Brasil. São 1.327.208 pessoas, das quais apenas 62.859 (4,3% do total) residiam nos 147 territórios quilombolas oficialmente titulados.

Petronio Portella Filho

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O Arcabouço Fiscal em Perspectiva Histórica, por Petrônio Portella Filho

A PEC de Transição foi aprovada em 21/12/22 e se tornou a Emenda Constitucional nº 126. Ela determina em seu art. 6º que o “Teto” dos Gastos seja substituído por “regime fiscal sustentável” definido por projeto de lei complementar (PLP). Em 18 de abril, através do PLP 93/2023, o governo Lula entregou ao Congresso o chamado Arcabouço Fiscal (AF). Ele pôs fim a uma era em que a política fiscal brasileira foi marcada por fanatismo, mentiras e autoritarismo. Mas essa é uma história que precisa ser contada do início.

Era uma vez uma Presidente chamada Dilma Rousseff que foi derrubada, em 2016, por conspiração liderada por seu vice, Michel Temer. O vice, após assumir, deu giro de 180 graus na política econômica. Eleito por coligação liderada pelo Partido dos Trabalhadores, Temer destruiu direitos trabalhista que vigoravam desde 1943 (CLT). Não satisfeito, fez aprovar a Emenda Constitucional nº 95, que botou na Constituição Federal uma impostura chamada “Teto de Gastos”.

O “Teto” determinava que as Despesas Primárias (DP) fossem reajustadas apenas pelo IPCA, um indexador inadequado para agregados fiscais. Nos 20 anos anteriores à aprovação do “Teto”, a inflação medida pelo IPCA foi de 261%, enquanto a inflação do PIB (Deflator Implícito) somou 390%. A variação do PIB nominal durante o período chegou a 749%. Na época da votação da PEC elaborei exercício matemático mostrando que, se o “Teto” do Temer fosse aplicado nos 20 anos anteriores a 2016 (e tudo o mais permanecesse constante) as DP teriam encolhido de 19,9% do PIB em 1996 para 8,5% do PIB em 2015.

O “Teto” era, na verdade, um esmagador de gastos. Ele foi vendido ao Congresso Nacional com base em mentiras.

O Arcabouço Fiscal (AF) veio substituir a grande impostura. Sua principal virtude é ser democrático. O “Teto” do Temer, radical e autoritário, estava previsto para durar 20 anos, afetando total ou parcialmente seis mandatos presidenciais. E ele só poderia ser alterado por emenda constitucional.

O Arcabouço Fiscal, pelo contrário, faculta ao presidente eleito o direito de fixar, no início do mandato, por lei ordinária, os parâmetros fiscais para o próximo quadriênio. Cada presidente eleito vai definir seu arcabouço. O nome que se dá a isso é Democracia.

O Arcabouço Fiscal de Lula é centrista, nem desenvolvimentista, nem austericida. Ele propõe um ajustamento das contas do governo federal, que parte de um déficit primário de 0,5% do PIB em 2023 e, através de um ajustamento gradual, projeta um superávit de 1,0% do PIB no quarto ano do mandato. O histórico de Lula me leva a confiar na projeção. Durante seus oito anos de mandato, ele manteve superávit primário médio de 2,2% do PIB.

O superávit precisa ser inferior ao de 20 anos atrás. Lula precisa gastar para repor as redes de proteção social que Bolsonaro tentou destruir. Precisa realizar concursos públicos já que os ministérios foram despovoados. Precisa acabar com a fila de um milhão de pessoas no INSS. Precisa realizar investimentos. Precisa resgatar uma dívida social que aumentou muito nos últimos quatro ano.

O ajustamento fiscal irá se dar limitando o crescimento da Despesa Primária a 70% do aumento da Receita Primária durante quatro anos. O crescimento real da despesa primária deve ser de no mínimo 0,6% e no máximo de 2,5% a.a. As viúvas do Teto não gostaram da regra. Alegam que o Arcabouço Fiscal traz implícita a hipótese de “aumento da carga tributária”.

Na verdade, o crescimento da Receita Primária não exige aumento de alíquotas. Ele exige apenas a retomada do crescimento. Sempre que o PIB cresce, a Receita Tributária o acompanha. A relação é direta e é universal. O PIB do Brasil cresceu bem durante o governo Lula, em média, 4,1% ao ano. Mas esteve praticamente estagnado nos sete anos do pós-Impeachment (2016-2022), quanto cresceu em média 0,8% ao ano.

O AF do Lula cria um piso de 75 bilhões para os investimentos públicos, que pode receber (dois anos mais tarde) bônus de 25 bilhões se o superávit primário exceder a meta. Considerando que o PIB é de 10 trilhões e que o bônus será concedido dois anos mais tarde, os investimentos devem representar entre 0,75% e 1% do PIB no governo Lula. É muito pouco. O AF deveria ter excluído os investimentos públicos da regra que limita as despesas primárias (que só podem crescer no máximo 2,5% ao ano).

A Despesa nada mais é do que o outro lado da Receita. Para alguém faturar, alguém tem que gastar. Isso é um princípio contábil. O Produto Interno Bruto é calculado tanto pela soma das rendas quanto pela soma dos gastos.

Um país como o Brasil que cresceu a uma taxa média inferior a 1% ao ano nos últimos sete anos está com sua renda per capita estagnada. Tal país deveria estar discutindo um plano de desenvolvimento econômico, não regras de austeridade fiscal. Mas o Arcabouço Fiscal, ao contrário do Teto, pelo menos não impõe a redução dos gastos primários.

Entendo que o ajuste fiscal deva ser feito via aumento das Receitas (acompanhando o crescimento do PIB). Tal é o enfoque do Ministro Fernando Haddad. Ele demonstrou subserviência ao Banco Central bolsonarista ao não aumentar a meta de inflação, o que considero injustificável, dados os evidentes excessos da política monetária e o fato de que a legislação em vigor atribui ao Conselho Monetário Ncional (onde Lula tem maioria) tal prerrogativa. A economia brasileira está tendo que tolerar uma taxa de juros básica que é de longe a mais alta do mundo. Mas a abordagem fiscal do Ministro Haddad representa grande mudança em relação à mentalidade austericida dos governos Temer e Bolsonaro.

Petronio Portella Filho

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A Magia do Mercado de Passagens Aéreas

Tínhamos viajado pouco após a pandemia. Este ano a família fez quatro viagens aéreas e ficamos impressionados com o quanto a desregulação do setor afetou a qualidade e o preço do serviço. As passagens estão caríssimas. E os passageiros passaram a sofrer abusos inimagináveis.

Reservar lugar em um voo com antecedência se tornou algo arcaico. Depois que a “ineficiência do Estado” deu lugar à “magia do mercado”, a prática foi praticamente abolida. Hoje a reserva dura 24 horas, a não ser que a passagem seja quitada com antecedência.

Nem assim o passageiro é respeitado. Eu havia marcado e quitado, com meses de antecedência, cinco passagens no voo direto Brasília-Curitiba. Dias antes da viagem fui informado que o voo havia sido cancelado pela Gol. Eu e a família seríamos transferidos para outro voo, em outro horário, com escala em Congonhas e troca de avião.

A viagem aérea de duas horas foi esticada para seis horas. E teríamos que chegar ao balcão da empresa com duas horas e meia de antecedência. Moro em Brasília há cinco décadas e nunca tinha feito voo com escala para uma capital estadual. Se eles tivessem dito antes que o voo era com escala eu não teria comprado a passagem.

No dia da viagem, tivemos que levantar da cama às 4h30 da madrugada. Só fomos chegar ao resort, na cidade paranaense de Lapa, às 15h30. Teríamos perdido a hora do almoço, incluído no pacote, se o resort não tivesse aberto uma exceção para nós. Mas perdemos o transfer gratuito para a Lapinha. Tivemos que pagar 150 reais por pessoa pelo transporte do aeroporto ao resort.

Adivinhem se fomos indenizados pelo cancelamento do voo direto pela Gol.

Quando é o passageiro que não cumpre o combinado, a punição é draconiana. Ano passado perdemos um voo da Latam porque chegamos ao aeroporto 90 minutos antes do voo — que não era internacional. Era um voo para Maceió. Mas os tempos são outros. Hoje o passageiro que quiser despachar mala tem que pagar extra pela mala e se apresentar com duas horas e meia de antecedência. Perdemos o voo e parte substancial do que tínhamos pago. Se a passagem for adquirida com pontos Livelo e o cancelamento se der no dia da viagem, a multa é de 80%.

O mercado de passagens aéreas nacional é um oligopólio dividido entre três empresas: Azul, Gol e Latam. Juntas elas respondem por 98% do mercado, cada uma com participação de aproximadamente um terço. Antes o governo regulamentava o preço das passagens, o que, segundo um articulista da grande imprensa, gerava “ineficiências”.

Hoje o mercado é “eficiente”. As empresas fazem o que bem entendem e cobram o que bem entendem. A “eficiência do mercado” aumentou muito nos governos Temer e Bolsonaro, quando a ANAC, agência reguladora, praticamente deixou o oligopólio Latam-Gol-Azul se autoregular.

O oligopólio desregulado baixou os preços como os doutrinadores previam? A exclusão da mala do preço da passagem reduziu o preço para quem viaja sem mala?

Não baixou. Surpresa zero para mim. Vocês conhecem algum caso de oligopólio que tenha baixado os preços após ser desregulado? Conhecem algum caso de monopólio público privatizado que tenha baixado os preços? Existe rica literatura técnica sobre o assunto, e ela mostra que monopólios e oligopólios maximizam lucros aumentando os preços.

Um amigo gaúcho que mora na Europa ficou chocado com o preço da viagem de 40 minutos entre Porto Alegre e Florianópolis. Segundo ele, custou mais de quatro vezes o preço da viagem de quatro horas entre Londres e Biarritz (que ele compra quando visita os filhos).

Sou um passageiro das antigas. Gosto de reservar viagens falando com um ser humano. Ainda telefono para uma agência de turismo. A Flávia, meu contato da agência de turismo Link Tour, me informou que hoje os passageiros, além de pagar pelo despacho das malas, têm que pagar pela marcação dos lugares na aeronave. Ou seja, temos que pagar mais caro pelas passagens, ficamos mais tempo de castigo no aeroporto e temos que arcar com despesas não incluídas no preço inicial. Hoje os extras, que eram gratuitos, perfazem em média 20% do custo da passagem aérea.

Este é o capitalismo do Estado Mínimo que os ultraliberais — Jair Bolsonaro e Michel Temer — conseguiram nos impor, pelo menos em parte. E que Fernando Haddad tenta combater com timidez, pois ele morre de medo de ser acusado de populista pelos colunistas da grande imprensa.

Leio nos jornais que as empresas privadas brasileiras não desejam para si o liberalismo que apregoam. Em quase todos os setores, seus representantes estão mobilizadas para exigir subsídios e regalias do Estado. No caso das empresas aéreas, elas alegam estar tendo prejuízos em razão do encolhimento do mercado (que elas mesmas produziram, ao aumentar os preços). No fundo querem subsídios sem contrapartidas. Em vez de um Estado de Bem-Estar Social, elas querem um Estado de Bem-Estar Empresarial.

Quem melhor definiu o Estado Mínimo foi André Roncaglia, colunista da Folha: “o Estado mínimo dos neoliberais é o Estado máximo para o mínimo de pessoas.” Achei a definição perfeita. Vocês conhecem algum empresário amigo de Bolsonaro que não estava sonegando impostos e mamando nas tetas do governo?

Não foi este o capitalismo que conheci nos Estados Unidos quando morei lá. Residi nos EUA entre janeiro de 1980 e junho de 1982. Fiquei encantado com o quanto o capitalismo americano era regulamentado pelo Estado e inclusivo.

Em 1980, os trabalhadores americanos tinham estabilidade no emprego, os sindicatos eram fortes. Os consumidores eram respeitados. Franklin Roosevelt, o maior presidente americano da história, realizou nos anos 30 reformas de verdade, em defesa dos trabalhadores e combatendo os abusos do mercado. As reformas de Roosevelt deram início a quatro décadas de crescimento robusto, com estabilidade econômica e elevação dos salários.

Na verdade, a regulação dos oligopólios e monopólios antecedeu Roosevelt. Nos EUA, oligopólios e monopólios eram regulamentados pelo Estado desde o século XIX. Os tempos eram outros, os políticos eram menos reacionários. Até o partido Republicano era progressista. Richard Nixon se declarou keynesiano e, durante sua gestão, ampliou os direitos sociais.

Em 1981 teria início a gestão de Ronald Reagan, o primeiro de uma linhagem de mentirosos carismáticos que prometiam “tirar o Estado das costas do contribuinte”. No entanto, todos eles — Reagan, Thatcher, Pinochet, FHC, Temer e Bolsonaro — tornaram o padrão de crescimento mais lento e mais concentrador de renda. E, como cereja do bolo, todos eles aumentaram os déficits públicos e as dívidas públicas.

Os anos 80 foram um divisor de água. A doutrina da magia do mercado foi se tornando hegemônica. Desde então o crescimento econômico se tornou mais lento, mais concentrador de renda e mais propício a crises financeiras. A brutal concentração de renda foi tornando o Primeiro Mundo menos democrático. Os sindicatos foram perdendo espaço ano a ano.

As mudanças pós-1980 afetaram especialmente a América Latina, que era uma das regiões mais progressistas do pós-Guerra. Sob a influência formal ou informal do consenso de Washington, a região foi privatizando tudo e desregulando tudo. Hoje é uma das regiões mais decadentes do mundo. Brasil e México, dois tigres econômicos do pós-Guerra, foram transformados em tartarugas.

Meu desabafo fica por aqui. O mercado de passagens aéreas é um triste retrato do Brasil que nos foi legado pelos ultraliberais. A “magia” do mercado, se é que existe, não beneficia os “muggles” ou “trouxas”, que somos nós, trabalhadores e classe média. Ela só beneficia os poderosos, ou a turma do Voldemort.

Petronio Portella Filho

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Bolsonaro não sabia de nada, Lula sabia de tudo

“Bolsonaro não sabia de nada. Não sabia das rachadinhas, das milícias, não sabia das joias, não sabia da carteira de vacinação falsa, não sabia da conspiração golpista… Já Lula sabia tudo o que acontecia nos escritórios da Petrobras feito por funcionários de carreira da estatal.” Juca Kfouri

No texto acima, Juca retrata bem o sistema de crença dos lava-jatistas. Eles seguem defendendo Bolsonaro porque acreditam que ele ignorava atos criminosos praticados por auxiliares próximos, bem como fatos amplamente divulgados pela imprensa.

E demonizam Lula porque o consideram, no que diz respeito ao crime, onisciente. Sabia de cada detalhe de cada falcatrua, apesar de não ser beneficiado. E sabia roubar sem deixar vestígios.

No meu livro, “Mentiras que contam sobre a Economia Brasileira” argumentei que a corrupção na Petrobras existiu sim, mas foi praticada por um cartel de empresas privadas em conluio com funcionários de carreira da empresa.

A Vara de Curitiba realizou amplo rastreamento bancário, telefônico, buscas e apreensões e prisões ilegais, mas não conseguiu provar que o PT era uma organização criminosa. Todas as multas e punições judiciais aplicadas no âmbito do Petrolão foram aplicadas às empresas privadas do cartel e a funcionários antigos da empresa.

Ah, mas o Lula estava sabendo de tudo!

Sabia como? O governo federal tinha na época 110 empresas estatais e um milhão de servidores e subordinados. Nenhum jornal havia denunciado o esquema. A única “prova” de que Lula comandara o Petrolão era um PowerPoint tosco que desmoralizava tanto o Ministério Público quanto a Microsoft.

Na contramão das próprias investigações, Moro transformou uma imperfeição do mercado, um caso clássico de cartel, em corrupção politica. E usou o episódio do “Petrolão” para demonizar não só o PT como a classe política em geral.

Deltan e cia espalharam ilegalmente trechos seletivos de delações premiadas posteriormente rejeitadas por não estar respaldadas em provas. Ajudaram a eleger um presidente “apolítico”, com notórios vínculos criminosos que, paradoxalmente, nomeou um PGR que destruiu a própria Lava Jato.

Segundo a Transparência Internacional, Bolsonaro maximizou o Índice de Percepção da Corrupção no Brasil em 2019. A Organized Crime and Corruption Reporting Project elegeu Bolsonaro o maior corrupto de 2020. Mesmo assim, Dallagnol e Moro, apoiaram a reeleição do presidente que enriqueceu com rachadinhas e que foi o algoz da Lava Jato.

Por quê?

Talvez porque o objetivo da Lava Jato, desde o início, tenha sido tirar o PT do poder, e não combater a corrupção.

Os lava-jatistas não são desinformados. São fanáticos. Eles acreditam no que lhes interessa acreditar.

Petronio Portella Filho

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O fracasso da esquerda neoliberal no Chile, Itália e Brasil

No domingo, nas eleições para a assembleia constituinte chilena, a direita derrotou o governo esquerdista do jovem presidente Gabriel Boric. Os partidos de direita conseguiram dois terços das cadeiras do Conselho Constituinte, sendo que o partido Republicano, de extrema direita, foi mais votado (35,4%) do que o partido de Boric (28,6%).

Ao assumir o poder, em 2022, Boric entregou o Ministério da Fazenda a Mário Marcel, que era nada menos que o presidente do Banco Central do Chile. Boric se afastou das pautas econômicas desenvolvimentistas e abraçou o mercado financeiro. Tentou combinar neoliberalismo econômico com a pauta de costumes feminista e pró-minorias que os religiosos e a classe média rejeitam. Perdeu a frágil maioria que tinha. A extrema direita venceu as eleições de ontem com ampla maioria.

Algo muito parecido aconteceu na Itália, onde a esquerda também entregou o poder a um ex-presidente do Banco Central. Mario Draghi, que presidiu o Banco Central Europeu, foi elevado ao cargo de primeiro-ministro com o apoio da esquerda. Draghi fez o que se poderia esperar de um banqueiro: proporcionou um período de baixo crescimento, com estagnação do emprego. Os eleitores insatisfeitos se vingaram votando na extrema direita. Draghi foi sucedido por Geórgia Melone, uma fascista.

O mesmo roteiro pode estar sendo seguido no Brasil. Lula nomeou um ministério com representantes das minorias, restabeleceu relações diplomáticas com o mundo todo e nomeou um ministro da Justiça que defende o Estado Democrático de Direito. Lula conseguiu, em poucos meses, pôr um fim no genocídio indígena, devolver os militares aos quartéis e recolocar os pobres no orçamento da União. Há muito o que se elogiar no governo Lula.

Mas o Presidente da República cometeu o erro grave de nomear um ministro da Fazenda fraco que está se deixando tutelar por Campos Neto, um Presidente do Banco Central (ainda por cima bolsonarista). O Copom, sob o comando de Campos Neto, segue inflexível mantendo a maior taxa de juros básica do planeta.

Não satisfeito, Campos Neto tenta ditar a política fiscal do governo Lula. Ele é a favor do austericídio, inclusive já deu entrevista afirmando que “tem que colocar o país em recessão para recuperar a credibilidade”.

Lula tem um Ministro da Fazenda que dá excelentes entrevistas, mas que não luta por suas ideias como deveria. Fernando Haddad preside o Conselho Monetário Nacional (CMN) órgão encarregado de fixar as metas de inflação. O Banco Central, nos termos da lei que lhe concedeu a autonomia, só pode elevar juros se for para cumprir as metas de inflação fixadas pelo CMN (onde Lula tem maioria). Infelizmente Haddad abdicou do direito de alterar as metas de inflação para não contrariar Campos Neto. A lei tornou o Banco Central autônomo, Fernando Haddad o tornou independente.

Campos Neto passou a dar palpite também no Arcabouço Fiscal. Ele provavelmente induziu o governo Lula a incluir no limite dos gastos primários os repasses do governo federal aos bancos estatais. Isso é algo que nem os autores do teto de gastos fizeram. Haddad esbanja submissão enquanto Campos Neto não cede um milímetro.

Infelizmente a esquerda brasileira, a exemplo da chilena e da italiana, acredita que abrir mão de crescimento econômico em nome de uma improvável conciliação com o mercado financeiro é algo “moderno”. Pesquisa da Quaest divulgada em 5 de maio sobre a opinião dos executivos do mercado financeiro revelou que eles têm perfil ultraconservador. A esmagadora maioria apoia os juros escorchantes do BC e rejeita Lula.

Lula parece não se lembrar que a última presidente petista, Dilma Rousseff, pagou preço elevado por se render ao rentismo improdutivo da Faria Lima. Ela entregou, em 2015, o Ministério da Fazenda a Joaquim Levy, PhD de Chicago e funcionário do Bradesco. Dilma perdeu o apoio popular, sofreu impeachment e o vice assumiu, impondo ao Brasil uma política ultraliberal e austericida que, na prática, elegeu Bolsonaro.

Nos anos recentes, toda vez que a esquerda abraçou o neoliberalismo e sacrificou o crescimento econômico para “acalmar o mercado financeiro”, ela, na prática, estendeu o tapete vermelho para a chegada do fascismo.

Petronio Portella Filho

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