Por Fernando Veiga Barros

Consultor legislativo do Senado Federal

 

O que são “gastos tributários”? De acordo com a Receita Federal do Brasil (RFB), gastos tributários“…são gastos indiretos do governo realizados por intermédio do sistema tributário, visando a atender objetivos econômicos e sociais e constituem-se em uma exceção ao sistema tributário de referência, reduzindo a arrecadação potencial e, consequentemente, aumentando a disponibilidade econômica do contribuinte” (sic).

Anualmente, por determinação legal, o governo é obrigado a publicar a relação dos gastos tributários que se realizem por intermédio do sistema federal de tributação. A publicação ocorre por oportunidade do encaminhamento, ao Congresso Nacional, do projeto de lei orçamentária anual, constituindo a relação dos gastos um dos muitos documentos anexos a esse projeto.

Do projeto de lei orçamentária para 2021 (Ploa), já encaminhado ao Congresso Nacional, mais uma vez consta a exigida relação dos gastos tributários estimados para o próximo ano. Os gastos totalizam R$307,9 bilhões, sendo esse o montante da receita de que a União, leia-se: governo federal, deverá abrir mão em virtude de benefícios, favores e incentivos fiscais de todos os tipos.

Eles, os gastos, são discriminados sob as mais diversas óticas: regionalmente, por função orçamentária, por modalidade de gasto, por tipo de tributo e por dispositivo legal. A relação dos gastos é suficientemente detalhada, permitindo avaliação e crítica máximas, inclusive quanto àquilo que se tenha convencionado incluir ou excluir da relação. E vale dizer, no que tange às convenções adotadas e à possibilidade de avaliá-las e criticá-las, que a RFB atua com suficiente transparência, elaborando metodologia própria, de maneira expressa e formal, cuja divulgação é feita por intermédio do documento Gasto Tributário – Conceito e Critérios de Classificação.

Embora seja tremenda a grandeza dos gastos tributários, vamos trabalhar, neste artigo, apenas com aqueles relacionados ao Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF). Faremos isso por um motivo bem simples: temos dado atenção, nos últimos tempos, à temática da concentração da renda pessoal e da má distribuição da carga tributária que incide sobre ela. Por já havermos publicado alguns artigos sobre a matéria, sempre tendo por pano de fundo os dados das declarações do IRPF, entendemos ser necessário que se avance, um pouco mais, na discussão desse tributo e de sua arrecadação, assim como da renda pessoal e da forma de tributá-la. Avante, então.

Dos R$307,9 bilhões, estimados como o total de gastos tributários para o ano que vem, os que estão associados ao IRPF são da ordem de R$55,9 bilhões. É valor que representa, aproximadamente, 18,2% de todos os gastos tributários, podendo-se entender esse valor como o montante da renúncia fiscal (renúncia de receita) que as autoridades econômicas acreditam ou reputam estar associada à política de tributação da renda pessoal, no Brasil.

Basicamente, esses R$55,9 bilhões, em gastos tributários, distribuem-se entre deduções da renda bruta pessoal e isenções aplicáveis a certas categorias de rendimentos. As deduções são representadas por despesas que o contribuinte está autorizado a abater de sua renda bruta tributável, tendo em vista reduzi-la. São estas as deduções consideradas, lado às correspondentes estimativas de gastos: contribuições ou doações a atividades audiovisuais (R$2,1 milhões); despesas com educação e médicas (R$22,2 bilhões); contribuições ou doações a fundos da criança, do adolescente ou do idoso (R$180,7 milhões); contribuições ou doações de incentivo ao desporto (R$6,8 milhões); contribuições ou doações ao Programa Nacional de Apoio à Cultura (R$39,7 milhões). Por seu turno, há os impactos ocasionados por isenções de rendimentos pessoais. A despeito das inúmeras hipóteses de isenção, apenas estas poucas integraram o cálculo formal dos gastos: proventos de aposentadoria de declarante com 65 anos ou mais (R$9,5 bilhões); proventos de aposentadoria por moléstia grave ou acidente (R$15,3 bilhões); indenizações por rescisão de contrato de trabalho (R$7,5 bilhões); seguro ou pecúlio pago por morte ou invalidez (R$1,2 bilhão).

Evidentemente, os gastos tributários, ao menos no tocante ao IRPF, estão subestimados. A subestimativa, entretanto, não decorre de erro ou lapso das autoridades encarregadas dos cálculos. Ao compulsar o já citado documento Gasto Tributário – Conceito e Critérios de Classificação, verificamos que alguns importantes elementos, os quais se afiguram determinantes para a arrecadação de impostos, são deliberada e explicitamente desconsiderados para efeito da apuração dos gastos tributários.

Uma ruidosa exclusão diz respeito a isenções. Nessa categoria de benefícios e favores fiscais, sabemos figurarem importantes fontes geradoras de renda fixa e variável. São exemplos dessas fontes de renda os dividendos pagos por títulos representativos de capital societário (as ações), lado às participações em lucros e aos juros proporcionados por algumas classes de ativos financeiros.

Em seus argumentos metodológicos, RFB justifica a exclusão com base na assertiva de que:

“……………………………………………………………………………………………………………..

A definição do tipo de tributação a que deve ser submetida a renda proveniente do resultado da aplicação do capital em atividades empresariais, como os dividendos distribuídos a pessoas físicas, vai além da escolha da tributação ser do tipo global pessoal progressiva, cedular ou mista, e aborda também questões relacionadas aos meios e ao grau de integração entre a tributação da renda das pessoas jurídicas e seus sócios pessoas físicas.

Atualmente no Brasil, a renda auferida pelas pessoas físicas decorrente do recebimento de dividendos está isenta do imposto de renda. Segundo a justificativa do Ministério da Fazenda (por meio da Exposição de Motivos nº 325/95, relativa ao Projeto de Lei n° nº 126/95 que instituiu essa isenção), a medida foi tomada visando estabelecer a integração completa entre a pessoa física e a pessoa jurídica, tributando-se esses rendimentos exclusivamente na empresa e isentando-os quando do recebimento pelos beneficiários.

……………………………………………………………………………………………………….(sic)”.

Noutras palavras, a RFB parece confundir patrimônio e renda de sociedades empresariais com aqueles de sócios ou acionistas, a quem se pagam dividendos e outros valores derivados de participação em resultados. Naturalmente, constitui renda líquida da empresa todo o resultado que nela permaneça – os denominados lucros retidos. Não nos parece que a retenção de lucros implique alterar alíquotas ou carga tributária que incide sobre os resultados empresariais, razão pela qual esses lucros, se, ao revés, forem distribuídos, tampouco são submetidos a uma tributação ou carga tributária compensatória, tendo em vista assegurar a tal integração, à qual alude a RFB, entre a tributação da renda das pessoas jurídicas e a das pessoas físicas que revistam a condição de sócios ou acionistas.

Ademais, as participações societárias podem ocorrer, exclusivamente, entre pessoas jurídicas, figurando o dividendo como o canal por cujo intermédio flui a renda entre a empresa em que se fizeram os investimentos e a empresa investidora. Nesse caso, também, indaga-se a respeito do tratamento tributário a que ambas as empresas se sujeitam, com base no imposto sobre a renda – a que recebeu investimentos e a que os realizou –, nas hipóteses, de um lado, de distribuição de resultados e, do outro, de retenção desses resultados. Queremos dizer: se os resultados forem retidos, a carga deveria ser menor, assim como realizar a distribuição dos resultados, na forma do pagamento de dividendos, deveria implicar majoração da carga.

Consideremos, ainda, que a isenção, em qualquer hipótese, não pode ser descartada como gasto tributário, pois constitui franca e objetiva renúncia fiscal. É a máxima: isenção é isenção. Se for descartada, então isenção não é, pois renúncia fiscal não existe teoricamente. O que não nos parece aconselhável é dispensar a isenções tratamento semelhante ao que se daria às imunidades tributárias, fazendo algumas categorias de isenções desaparecerem do mundo fiscal, como se nenhum impacto produzissem, de um lado, sobre a arrecadação de receitas públicas e, do outro, sobre a renda pessoal de quem dessas isenções se beneficia.

Derradeiramente, cabe argumentar haver parca racionalidade macroeconômica, se houver alguma, na redistribuição da carga tributária, transferindo-a de pessoas físicas a pessoas jurídicas. Todos sabemos que os lucros, os retidos, em particular, constituem fonte própria de capital das empresas, sendo indiscutível afirmar que a isenção de dividendos cria incentivos inequívocos no sentido da descapitalização das empresas.

Mas, isso dito, qual seria a importância ou a gravidade fiscal dessas exclusões?

As exclusões amputam a realidade, sendo, por isso, desorientadoras. Em nossas análises anteriores, ressaltamos haver gigantesca concentração de renda, no Brasil. Mas, não só isso. Também verificamos que a carga tributária do IRPF é muito mal distribuída. Em síntese apertada, vimos que as isenções favorecem, enormemente, os muito, muito ricos, fazendo-o até o ponto em que a renda desse grupo de contribuintes quase não está sujeita à efetiva tributação. Embora seja em grande medida infensa à tributação, a renda desse grupo é significativamente elevada, até mesmo para os padrões ostentados pelas mais ricas economias do mundo, entre as quais o Brasil figura como a oitava. Chegamos a absurdos impensáveis, a exemplo daquele em que 1% dos contribuintes, os 300 mil mais abastados do país, concentra 19,1% de toda a renda bruta declarada por pessoas físicas, de acordo com dados de 2018. Dessa renda bruta, inacreditáveis 71,7% dos rendimentos gozam de alguma forma de isenção. Quer dizer: não geram arrecadação tributária alguma.

A despeito disso, a maior parte dos rendimentos isentos está fora da base de cálculo dos gastos tributários. Apenas se classificam como gastos as isenções que se afiguram menos significativas, via de regra associadas a rendimentos de origem previdenciária ou, no campo trabalhista, de caráter indenizatório. Inexplicável. Outras isenções, de escala e composição muitíssimo mais importantes, ficam de fora do rol de gastos tributários. Entre as que são excluídas, lembramos uma vez mais, destacam-se os dividendos, cuja magnitude é um “Evereste” de rendimentos pessoais, e ativos financeiros de renda fixa, não menos significativos.

Combinamos a esses um outro dado chocante da realidade tributária do Brasil: o de que não há qualquer menção à renúncia fiscal decorrente da tributação que se realiza, de forma exclusiva, na fonte. A esse propósito, sabemos que várias categorias de rendimentos, notadamente os proporcionados por ativos financeiros, não se somam aos demais rendimentos declarados, tendo em vista assegurar a incidência progressiva do IRPF sobre tudo o que se ganha. Em lugar disso, a legislação prevê duas formas distintas de tributação. Exige o sistemático somatório das rendas, tratando-se de rendimentos do trabalho, mas não o faz quando os rendimentos provêm de fontes de capital, como os títulos de renda fixa ou variável.

Essa lógica, que parece presidir isenções e tributação exclusiva na fonte, tem assento na premissa de que o menor ônus tributário pode gerar abundância de capitais. Ainda que seja assim, sabemos que a tributação, sendo corretamente distribuída, além de modulada com inteligência, pode assegurar a manutenção dos investimentos, sem dar azo a um esquema de tributação brutalmente regressivo, que apenas reforça a já vergonhosa e indesculpável concentração de renda e riqueza, no Brasil.

A fim de que não nos limitemos aos argumentos meramente abstratos, vamos, agora, dar um rápido passeio pelos números do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF). O trajeto revelará, uma vez mais, os dados de uma realidade chocantemente injusta, que, em regra, pune 99% de todos os cidadãos-contribuintes do país. É realidade que beneficia, de maneira mais ou menos oculta, aquele 1% dos contribuintes que nada ou quase nada pagam em impostos, mas muito ou em quase tudo mandam, notadamente no que diz respeito aos rumos da economia nacional.

Seremos simples, objetivo e direto. E tenhamos isto em mente: para 2021, as autoridades econômicas estimam gastos tributários, com o IRPF, de R$55,9 bilhões. Nem mais, nem menos. Vamos recalcular esse valor, descomplicada e grosseiramente. Para tanto, utilizaremos os dados do IRPF de 2018, publicado pela RFB. Também adotaremos algumas regrinhas didaticamente simplificadoras: as isenções serão consideradas por sua totalidade e tributadas pela alíquota de 15% (nada de fazer expurgos “metodológicos”); as tributações exclusivas na fonte também serão consideradas em sua totalidade, sendo a elas acrescentada uma carga tributária adicional pela alíquota de 5%; e as deduções, também consideradas integralmente, serão tributadas por uma alíquota de 10%. Não há “rocket science” na escolha das alíquotas, razão pela qual você, leitor, se discordar, está convidado a fazer seus próprios exercícios, adotando as premissas que julgar mais adequadas.

Isso dito, de quanto seriam os gastos tributários, para 2021, segundo nossos próprios cálculos e opinião?

Sente-se. O valor total dos gastos tributários, para 2021, seria este: R$184,8 bilhões! Sim, você ouviu corretamente: R$184,8 bilhões. Os rendimentos isentos responderiam, isoladamente, por gastos tributários de R$139,7 bilhões, montante apurado como 15% de rendimentos totais isentos da ordem de R$931,0 bilhões. As deduções, por sua vez, implicariam gastos tributários de R$30,1 bilhões, valor apurado pela incidência de uma alíquota de 10% sobre despesas dedutíveis de R$300,9 bilhões. Finalmente, os rendimentos sujeitos à tributação exclusiva representariam gastos tributários de R$15,0 bilhões, calculados pela incidência de uma alíquota adicional de 5% sobre todos os rendimentos, tributados somente na fonte, de R$300,9 bilhões.

Evidentemente, há uma diferença fantástica entre o número que calculamos e aquele apurado pelas autoridades econômicas. A diferença é de monumentais R$128,9 bilhões, sendo a nossa estimativa dos gastos tributários “n” vezes maior que a oficialmente divulgada.

A que conclusão podemos chegar? A várias. E acho que você, certamente, poderá pensar em mais algumas. Mas, vamos às minhas conclusões.

Em primeiro lugar, alguém está certo e, portanto, alguém está errado. Eventualmente, estamos todos, a um só tempo, certos e errados, devendo os gastos tributários estar situados, nesse caso, nalgum lugar entre os meus R$184,8 bilhões e os oficiais R$55,9 bilhões. Cabe a você refazer as contas e, oxalá, encontrar a resposta correta.

Em segundo lugar, podemos concluir que o pensamento é condicionado pelas palavras, de modo que o nosso raciocínio é, em última análise, limitado pelo tamanho e a qualidade do vocabulário que dominamos e com base no qual raciocinamos. O domínio do vocabulário permite a construção e a interpretação dos discursos e, em meio aos discursos, a definição da retórica. Quando a retórica visa confundir o destinatário do discurso – você –, podemos dizer que a argumentação se transforma e se corrompe, descendo às categorias da demagogia e dos sofismas.

É isso o que se vem repetindo, no Brasil, há séculos. Desejam que você acredite que as únicas despesas públicas são aquelas que o Estado brasileiro paga. Mais do que isso, que a maneira mais eficaz de tornar o Estado fiscalmente responsável reside na imposição do racionamento das despesas que são pagas. Esse é o tal teto de gastos. Queremos dizer com isso que buscam fazer você acreditar que o problema está circunscrito às despesas que o Estado paga, de forma que a solução estaria em racionar essas despesas com arrimo no teto de gastos.

Percebe-se, no entanto, que essa é uma verdade parcial, se muito. Parcial porque não é completa, inteira. Na verdade, a equação correta reside nesta soma aqui: despesas pagas + gastos tributários = total das despesas públicas.

Somente no caso do IRPF, estimamos, aqui, grosseiramente, que os gastos tributários devem girar em torno de R$184,8 bilhões. Se os gastos tributários, assim calculados, fossem somados ao total do imposto devido em 2018, o imposto devido pelas pessoas físicas atingiria a cifra de R$366,0 bilhões, o que representaria uma alíquota efetiva do IRPF, em face da renda bruta total que os contribuintes declararam, de 14,4%.

Sim, alíquota deve ser muito parecida com aquela que você, efetivamente, já paga. Portanto, sendo esse o caso, você não está entre os grandes beneficiários de isenções, tributações exclusivas na fonte e deduções. Alguém está ganhando, e você, certamente, está pagando por isso.

Mas, vamos em frente.

Em terceiro lugar, os programas de redistribuição de renda e combate à pobreza, no Brasil, são uma balela. Como o teto de gastos, eles integram um cenário dantesco e descrevem uma realidade amputada, parcial e enganosa. Lado a esses programas efetivamente sociais e sérios, que devem somar algumas poucas dezenas de bilhões de reais (estamos sem saco para procurar o número), o Estado brasileiro patrocina a festa dos muito, muito, mas muito, ricos. Vimos, aqui: isenções? quase 140 bilhões de reais em gastos tributários; deduções? outros 30 bilhões de reais; tributação exclusiva na fonte? mais 15 bilhões de reais nessa pilha de benefícios e favores fiscais. Total geral da festa dos gastos tributários: pelos nossos cálculos, quase 185 bilhões de reais. E as autoridades não sabem de onde tirar dinheiro… e o “mercado” clama pela manutenção do teto de gastos…

Conveniente, muito conveniente. Esse é o tal discurso corrompido a que fizemos alusão – a demagogia, o sofisma. E os trouxas somos nós.

Ora, vamos parar para pensar. O Brasil é um país rico. Potencialmente, está entre os mais ricos do mundo. Entretanto, sua população é majoritariamente pobre. Na verdade, esmagadoramente paupérrima. Para que o cidadão se beneficie de isenções, tributações exclusivas na fonte e deduções, do que esse cidadão precisa? É evidente: renda! Quem não tem renda, e a maioria pouco ou nada tem, não se beneficia de favores e incentivos fiscais sobre a… renda!

Logo, o que o Estado brasileiro patrocina é um efetivo programa de concentração de renda. Esse programa, opaco, oculto, é “n” vezes maior que os “bolsa-isso” e “bolsa-aquilo” e beneficia não mais do que uma ínfima, e ponha ínfima nisso!, fração de toda a população brasileira.

Mas, esses gastos – os ditos gastos tributários – não entram na conta. Desses ninguém fala; esses ninguém controla. O importante é controlar despesas como as previdenciárias ou o pagamento de salários de servidores que trabalham. Sim, de servidores que trabalham, pois, aos que não trabalham, de fato, a porta da rua deveria ser a serventia da casa.

Em quarto lugar, podemos concluir que, do jeito que se encontra a discussão, não vamos a lugar algum. As ditas “reformas” servem para tudo, principalmente para desviar sua atenção dos verdadeiros problemas e, assim fazendo, criar falsas soluções, pois aplicáveis a problemas que, de fato, inexistem.

Nosso sistema tributário, por exemplo, é muito bom. É quase um carro esportivo. Muito bem pensado e adequadamente estruturado para uma federação organizada em três níveis de governo. O problema reside na perícia de quem esteja ao volante desse sistema. Ele precisa ser muito bem pilotado, de modo que produza os bons resultados para os quais foi, originalmente, criado. Não adianta acreditar que reforma tributária, como as que se encontram em discussão, seja solução para iniquidades, para injustiças, para barbeiragens, que decorram da gestão do sistema, não de sua arquitetura.

A administração pública, por seu turno, precisa ser protegida. Não pode permanecer ao alvedrio de interesses privados, inclusive partidários, ou ser um joguete nas mãos de mandatários e seus prepostos. A base da administração deve ser o servidor, e o servidor, todo aquele que, ostensivamente, publicamente, demonstrar aptidão e capacidade para nela trabalhar. Para isso servem os concursos públicos, e a administração deve ser ocupada, sim, por servidores concursados – sem desvios de função, sem favorecimentos, sem que se recorra aos “exércitos” de profissionais a soldo de partidos, de grupos econômicos e de interesses políticos.

Finalmente, não se pode imaginar que qualquer economia cresça saudavelmente, caso patrimônio, renda e produção não sejam tributados e estimulados de maneira correta. Queremos dizer com isso que se faz necessário fazer uma faxina na tributação, sim, mas, também, na disciplina fiscal (hoje enviesada pelo rigor caolho do teto de gastos) e nas condições de circulação do crédito pela economia. Sim, impõe-se verdadeira faxina nas condições de circulação do crédito, pois os juros domésticos, lado a uma iníqua tributação, completam aquele que talvez seja o mais brutal modelo de concentração de renda de que já se teve notícia no mundo.

Todos os dados aqui mencionados provêm de fontes oficiais. Podem ser encontrados no sítio da RFB. Sugere-se o exame da Distribuição de Renda por Centis, assim como o documento Gasto Tributário – Conceito e Critérios de Classificação. No tocante aos gastos tributários, em si, vale compulsar o projeto da lei orçamentária para 2021. Eles estão lá e podem ser acessados, por exemplo, pelo sítio da Comissão Mista de Orçamentos do Congresso Nacional (CMO).

Se você chegou até este ponto, agradeço a paciência de haver lido o texto, mais caudaloso do que se desejava inicialmente. Suas críticas serão bem recebidas.

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