No WhatsApp, recebo mensagens comoventes em defesa dos direitos humanos dos “manifestantes” do 8 de janeiro. Eles seriam velhos que, para início de conversa, nem deveriam ter sido presos. São frágeis demais para tolerar os poucos dias de confinamento necessários para o interrogatório.
Custa-me a crer que tais mensagens tenham sido redigidas por pessoas que, até pouco tempo atrás, idolatravam o torturador Brilhante Ustra. E que foram ao delírio quando Jair Bolsonaro chamou os direitos humanos de “esterco da vagabundagem”.
Os bolsonaristas humanistas (vamos chama-los assim) não exigem APENAS que os presos sejam tratados nos termos da lei. Isso já está acontecendo, embora eles espalhem mentiras sobre o assunto nas redes sociais. Aliás, eles não conseguem viver sem mentir.
O bolsonarismo é baseado no ódio e na desinformação. Para eles, não espalhar calúnias e fake news seria como parar de respirar. Inventaram o boato de que os “patriotas” presos não recebiam comida, nem água, nem atendimento médico. Muitos já teriam morrido fruto dos métodos cubanos utilizados pela “ditadura petista”.
No entanto, a TV filmou e os jornais noticiaram que procuradores do Ministério Público já visitaram os bolsonaristas presos e confirmaram que eles estão tendo quatro refeições por dia, atendimento médico, uso de banheiros femininos e masculinos, sala para reuniões com os advogados e o livre uso do celular.
Os procuradores, ao visitar os presos, estavam cumprindo o art. 156 da Constituição, segundo o qual cabe ao Ministério Público “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Infelizmente ninguém leu o tal artigo para os procudores da Lava Jato, que elegeram (e apoiaram a reeleição de) Jair Bolsonaro, um sabotador da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais.
Mas, voltando aos humanistas de verde-amarelo, os “patriotas” presos estavam exercendo dois direitos que lhes são assegurados pela Constituição. A liberdade de expressão, ou seja, o direito de mentir, caluniar e defender um golpe de Estado. E a liberdade de manifestação, que inclui o direito de depredar as sedes do Supremo, do Congresso e da Presidência da República.
Os bolsonaristas humanistas, é importante observar, vão além do garantismo convencional, que tenta assegurar aos cidadãos direitos que se encontram positivados, escritos no ordenamento jurídico. Os bolsonaristas não são garantistas. Eles defendem que os réus sejam inimputáveis. Mas se trata de uma inimputabilidade seletiva.
De um lado, consideram uma desumanidade trancafiar idosos que cometeram crimes que os próprios filmaram e alardearam nas redes sociais. Do outro, consideram justo que Lula, um idoso de 74 anos, tenha sido preso durante 580 dias após ser condenado sem provas por um juiz parcial.
Petronio Portella Filho
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Se um julgamento não for baseado em provas nem realizado por juiz imparcial, ele será considerado uma farsa em todos os países democráticos do mundo.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Constituição de todos os países democráticos determinam, entre outras coisas, que:
1) Todos são inocentes até prova em contrário.
2) A imparcialidade do juiz é pressuposto da validade de um julgamento.
Assim sendo, devemos nos fazer duas perguntas: Havia provas contra Lula? Sergio Moro foi um juiz imparcial?
No que diz respeito às provas, o próprio Sergio Moro reconheceu duas vezes — nos autos do processo — a inexistência de provas:
“Enfim, de fato, não há prova de que os recursos obtidos pela OAS com o contrato com a Petrobrás foram especificamente utilizados para pagamento ao Presidente.”
“Este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram usados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente”.
As citações acima podem ser facilmente localizadas mediante pesquisa no Google.
Prefiro não entrar em maiores detalhes sobre a sentença de Moro, destrambelhada ao ponto do absurdo. A condenação foi baseada na delação de Leo Pinheiro, involuntária e sem provas, em desacordo com a Lei 12.850/15, que trata da colaboração premiada. Tal delação foi desmentida posteriormente pelo próprio delator em carta publicada em vários jornais.
Quanto à parcialidade de Moro, ela foi mais do que evidente. Ela foi ostensiva. Tão logo foi concluída a votação, Moro aceitou ser Ministro do candidato que ele ajudou a eleger.
Como se fosse pouco, Moro se vangloriou de sua parcialidade duas vezes durante sua breve campanha presidencial.
Em 26/01/22, durante sua entrevista ao podcast Flow, Sergio Moro declarou “eu comandei a Lava a Jato”. No julgamento de Lula, a Lava a Jato representava a acusação. O juiz confessou ter comandado a acusação — e o fez com o tom de quem contava vantagem.
Outra confissão, também voluntária, foi feita à Rádio Capital FM. Ele declarou que “a Lava Jato combateu o PT de forma eficaz”. Ou seja, Moro declarou que a força-tarefa (que ele confessou ter comandado) praticou lawfare.
Sergio Moro é vaidoso demais para fingir ser algo diferente do que é. Ele não esconde sua parcialidade. Ela a exibe, com orgulho.
Reconhecer a parcialidade de Moro é reconhecer o óbvio ululante. Não foi por acaso que o Comitê de Direitos Humanos da ONU e o Supremo Tribunal Federal concluíram que o ex-juiz foi parcial em seu julgamento.
Lula não teve, portanto, a sentença anulada por filigranas jurídicas. Ele foi vítima de uma farsa judicial e passou 580 dias preso — injustamente — para que Bolsonaro ganhasse a eleição.
Ah, mas dois tribunais confirmaram a sentença de Sergio Moro!
Este é o argumento da autoridade. Ele é atraente para os que têm desapreço pelo Estado Democrático do Direito e pela Democracia.
Uma condenação sem provas — ainda por cima por juiz parcial — vai continuar sendo uma farsa judicial não importa quantos magistrados a apoiem na segunda, terceira ou milésima instância. Em todas as perseguições político-judiciais da história, os juízes opressores tiveram cúmplices.
Quando dois tribunais confirmam uma sentença destrambelhada e injusta, tal confirmação não tem o condão de transformá-la em sentença técnica e justa. Pelo contrário. Tal confirmação diz pouco sobre a sentença e muito sobre quem a confirmou.
Há uma palavra que descreve magistrados que têm desapreço pelos direitos humanos. Que aplaudem condenações sem provas e em desacordo com a lei. Que idolatram a figura de um juiz parcial, autoritário e inescrupuloso.
Fascista.
O apoio de fascistas togados a uma farsa judicial não a torna legítima. Apenas desnuda a deterioração institucional do Judiciário do Brasil.
Petronio Portella Filho
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Segundo relatórios de várias instituições internacionais de perfil liberal, a corrupção aumentou durante a gestão Bolsonaro-Guedes.
Uma equipe do Banco Mundial (BIRD) entrevistou, no ano passado, 22.130 funcionários da União. O estudo foi intitulado “Ética e Corrupção no Serviço Público Federal – A Perspectiva dos Servidores”. Os resultados da enquete do Banco Mundial são preocupantes:
(1) Mais da metade (55,4%) dos servidores responderam que as interferências políticas na gestão pública se mantiveram iguais ou aumentaram no governo Bolsonaro, sendo que, durante o período recente de pandemia houve grande aumento nas interferências.
(2) Um terço dos entrevistados testemunhou um ou mais atos antiéticos nos últimos três anos.
(3) Quase 60% dos servidores federais já testemunharam atos de corrupção. Mas eles têm medo de denunciá-los porque temem sofrer represálias.
O ranking de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional (TI) é o indicador de corrupção mais respeitado do mundo. Ele abrange 180 países. Quanto menos corrupto o país, melhor sua colocação. Em 2021, o Brasil foi o 96° colocado. Ficamos abaixo da média mundial e da média da América Latina e Caribe.
Nunca fomos o país mais honesto do mundo, mas, segundo a TI, pioramos muito a partir de 2016, ano do Impeachment. As cinco piores posições do Brasil no histórico do ranking de corrupção da TI foram obtidas no governo Bolsonaro (três delas) e Temer (as outras duas). Ironicamente, o atual presidente ganhou a eleição com uma plataforma anticorrupção.
A instituição acusa o governo Bolsonaro pelo “desmantelamento contínuo das estruturas criadas, ao longo dos últimos anos, para combater a corrupção, promover os direitos humanos, preservar o meio ambiente e, em última análise, proteger a democracia do país”.
O ranking da TI é fruto de pesquisas com empresários sobre sua percepção quanto à prevalência da corrupção no setor público. O viés político do ranking é direitista-liberal. São empresários avaliando a corrupção do governo federal.
O OCCRP (Organized Crime and Corruption Reporting Project) é um consórcio de jornalistas e órgãos da imprensa sediados na Europa, Cáucaso, Ásia Central e América Central. A OCCRP não tem filiação política e é especializada na investigação do crime organizado.
A instituição realiza e publica em torno de 140 investigações sobre corrupção no ano. Jair Bolsonaro foi eleito pela organização “A Pessoa do Ano de 2020 em Corrupção e Crime Organizado”. Segundo o relatório da OCCRP “os juízes o escolheram por causa de sua hipocrisia — ascendeu ao poder com base na promessa de lutar contra a corrupção, mas ele não somente se cercou de pessoas corruptas como também acusou outros falsamente de corrupção.”
Durante o governo Bolsonaro, a corrupção, que era endêmica, se tornou quase sistêmica. O aparelhamento da PGR e do Ministério Público foi amplo. A compra de votos de congressistas através das emendas secretas ultrapassou os 50 bilhões. O prego que falta para fechar o caixão é a reforma administrativa de Paulo Guedes.
A Reforma Administrativa prevista na PEC 32/2020, caso aprovada, tornaria o servidor público demissível, subalterno e muito mais vulnerável a pressões. Ela elimina a proteção institucional que lhe permite resistir ao assédio dos corruptores: a estabilidade.
A reforma propõe a substituição de concursos públicos por nomeações temporárias e terceirização de serviços. Tenta destruir a independência técnica do funcionário público, submetendo-o ao jugo do poder econômico e do compadrio.
Através da Nota Técnica nº 69/2021, Vinícius do Amaral, consultor de orçamentos do Senado Federal, afirmou que a reforma administrativa de Bolsonaro, caso aprovada, aumentaria a corrupção e pioraria a situação fiscal da União:
“A PEC 32/2020 apresenta diversos efeitos com impactos fiscais adversos, tais como aumento da corrupção, facilitação da captura do Estado por agentes privados e redução da eficiência do setor público em virtude da desestruturação das organizações. Por sua vez, os efeitos previstos de redução de despesas são limitados, especialmente no caso da União. Assim, estimamos que a PEC 32/2020, de forma agregada, deverá piorar a situação fiscal da União, seja por aumento das despesas ou por redução das receitas.”
Talvez o efeito mais perverso da reforma administrativa seja a submissão do funcionário público à vontade de empresários ou de políticos. Segundo Hübner Mendes, PhD em Direito e PhD em Ciência Política, a reforma pretendida facilitaria a captura da máquina pública por interesses privados e por autocratas:
“A PEC rompe o dispositivo mais elementar de uma burocracia técnica: a estabilidade contra a intimidação política… No lugar de burocracia moderna, competente e democrática, oferece gestão patrimonialista de interesses corporativos. Almeja Estado a soldo do ganho privado, o oposto da eficiência pública. Expande a lógica da rachadinha e ainda facilita a ambição do autocrata.”
A corrupção, no mundo todo, é endêmica. Ela só diminui quando é combatida e investigada. Para tanto, é preciso que o governo preze pela transparência e dê independência aos órgãos encarregados de combatê-la. Sigilos de 100 anos não ajudam em nada.
Os tribunais precisam agir com independência e apurar as denúncias contra altos funcionários. Mais importante do que tudo, o servidor público precisa ter autonomia institucional para trabalhar sem a pressão dos governantes de plantão.
O Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, anunciou a intenção de aprovar a Reforma Administrativa logo após as eleições.
Brasília, 20/10/2022
Petronio Portella Filho
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