O Arcabouço Fiscal em Perspectiva Histórica, por Petrônio Portella Filho
A PEC de Transição foi aprovada em 21/12/22 e se tornou a Emenda Constitucional nº 126. Ela determina em seu art. 6º que o “Teto” dos Gastos seja substituído por “regime fiscal sustentável” definido por projeto de lei complementar (PLP). Em 18 de abril, através do PLP 93/2023, o governo Lula entregou ao Congresso o chamado Arcabouço Fiscal (AF). Ele pôs fim a uma era em que a política fiscal brasileira foi marcada por fanatismo, mentiras e autoritarismo. Mas essa é uma história que precisa ser contada do início.
Era uma vez uma Presidente chamada Dilma Rousseff que foi derrubada, em 2016, por conspiração liderada por seu vice, Michel Temer. O vice, após assumir, deu giro de 180 graus na política econômica. Eleito por coligação liderada pelo Partido dos Trabalhadores, Temer destruiu direitos trabalhista que vigoravam desde 1943 (CLT). Não satisfeito, fez aprovar a Emenda Constitucional nº 95, que botou na Constituição Federal uma impostura chamada “Teto de Gastos”.
O “Teto” determinava que as Despesas Primárias (DP) fossem reajustadas apenas pelo IPCA, um indexador inadequado para agregados fiscais. Nos 20 anos anteriores à aprovação do “Teto”, a inflação medida pelo IPCA foi de 261%, enquanto a inflação do PIB (Deflator Implícito) somou 390%. A variação do PIB nominal durante o período chegou a 749%. Na época da votação da PEC elaborei exercício matemático mostrando que, se o “Teto” do Temer fosse aplicado nos 20 anos anteriores a 2016 (e tudo o mais permanecesse constante) as DP teriam encolhido de 19,9% do PIB em 1996 para 8,5% do PIB em 2015.
O “Teto” era, na verdade, um esmagador de gastos. Ele foi vendido ao Congresso Nacional com base em mentiras.
O Arcabouço Fiscal (AF) veio substituir a grande impostura. Sua principal virtude é ser democrático. O “Teto” do Temer, radical e autoritário, estava previsto para durar 20 anos, afetando total ou parcialmente seis mandatos presidenciais. E ele só poderia ser alterado por emenda constitucional.
O Arcabouço Fiscal, pelo contrário, faculta ao presidente eleito o direito de fixar, no início do mandato, por lei ordinária, os parâmetros fiscais para o próximo quadriênio. Cada presidente eleito vai definir seu arcabouço. O nome que se dá a isso é Democracia.
O Arcabouço Fiscal de Lula é centrista, nem desenvolvimentista, nem austericida. Ele propõe um ajustamento das contas do governo federal, que parte de um déficit primário de 0,5% do PIB em 2023 e, através de um ajustamento gradual, projeta um superávit de 1,0% do PIB no quarto ano do mandato. O histórico de Lula me leva a confiar na projeção. Durante seus oito anos de mandato, ele manteve superávit primário médio de 2,2% do PIB.
O superávit precisa ser inferior ao de 20 anos atrás. Lula precisa gastar para repor as redes de proteção social que Bolsonaro tentou destruir. Precisa realizar concursos públicos já que os ministérios foram despovoados. Precisa acabar com a fila de um milhão de pessoas no INSS. Precisa realizar investimentos. Precisa resgatar uma dívida social que aumentou muito nos últimos quatro ano.
O ajustamento fiscal irá se dar limitando o crescimento da Despesa Primária a 70% do aumento da Receita Primária durante quatro anos. O crescimento real da despesa primária deve ser de no mínimo 0,6% e no máximo de 2,5% a.a. As viúvas do Teto não gostaram da regra. Alegam que o Arcabouço Fiscal traz implícita a hipótese de “aumento da carga tributária”.
Na verdade, o crescimento da Receita Primária não exige aumento de alíquotas. Ele exige apenas a retomada do crescimento. Sempre que o PIB cresce, a Receita Tributária o acompanha. A relação é direta e é universal. O PIB do Brasil cresceu bem durante o governo Lula, em média, 4,1% ao ano. Mas esteve praticamente estagnado nos sete anos do pós-Impeachment (2016-2022), quanto cresceu em média 0,8% ao ano.
O AF do Lula cria um piso de 75 bilhões para os investimentos públicos, que pode receber (dois anos mais tarde) bônus de 25 bilhões se o superávit primário exceder a meta. Considerando que o PIB é de 10 trilhões e que o bônus será concedido dois anos mais tarde, os investimentos devem representar entre 0,75% e 1% do PIB no governo Lula. É muito pouco. O AF deveria ter excluído os investimentos públicos da regra que limita as despesas primárias (que só podem crescer no máximo 2,5% ao ano).
A Despesa nada mais é do que o outro lado da Receita. Para alguém faturar, alguém tem que gastar. Isso é um princípio contábil. O Produto Interno Bruto é calculado tanto pela soma das rendas quanto pela soma dos gastos.
Um país como o Brasil que cresceu a uma taxa média inferior a 1% ao ano nos últimos sete anos está com sua renda per capita estagnada. Tal país deveria estar discutindo um plano de desenvolvimento econômico, não regras de austeridade fiscal. Mas o Arcabouço Fiscal, ao contrário do Teto, pelo menos não impõe a redução dos gastos primários.
Entendo que o ajuste fiscal deva ser feito via aumento das Receitas (acompanhando o crescimento do PIB). Tal é o enfoque do Ministro Fernando Haddad. Ele demonstrou subserviência ao Banco Central bolsonarista ao não aumentar a meta de inflação, o que considero injustificável, dados os evidentes excessos da política monetária e o fato de que a legislação em vigor atribui ao Conselho Monetário Ncional (onde Lula tem maioria) tal prerrogativa. A economia brasileira está tendo que tolerar uma taxa de juros básica que é de longe a mais alta do mundo. Mas a abordagem fiscal do Ministro Haddad representa grande mudança em relação à mentalidade austericida dos governos Temer e Bolsonaro.
Petronio Portella Filho
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