Petrônio Portella Filho comenta entrevista concedida pelo ex-presidente Lula para o jornalista Reinaldo Azevedo, na Rádio Bandeirantes

Depois de ver anuladas suas condenações relacionadas à Lava Jato pelo ministro do Superior Tribunal Federal – Edson Fachin, o ex-presidente da Luiz Inácio Lula da Silva voltou a estar elegível, cenário que fez crescer as especulações em torno de sua possível candidatura à chefia do executivo nacional no ano de 2022.

Dentro deste contexto de ‘renascimento político’, Lula concedeu uma longa entrevista para o jornalista Reinaldo Azevedo na última quinta-feira, 1/04, na Rádio Bandeirantes, em um bate-papo no qual refletiu sobre assuntos diversos que transitaram entre seu imbróglio com a Lava Jato, os anos do PT no poder e o futuro político-econômico do país.

Consultor Legislativo do Senado Federal, Petrônio Portella Filho se debruçou sobre a entrevista – analisando as temáticas ali debatidas e ilustrando-as a partir de sua percepção reflexiva dos acontecimentos comentados.

Confira abaixo a íntegra do comentário de Portella Filho:

No dia 01/04/2021, o jornalista Reinaldo Azevedo entrevistou Lula. A Band permitiu a entrevista via rádio, mas não a colocou na TV aberta. A entrevista me ajudou a entender melhor a política brasileira das últimas décadas.

Ela também amenizou meu inconformismo com os erros do Lula. Devo declarar de início que nunca fui lulista. O petista concorreu à presidência 5 vezes em primeiro turno e 3 vezes em segundo turno. Votei nele apenas duas vezes, ambas em segundo turno, contra Collor e Serra.

A entrevista merece ser assistida na íntegra por vários motivos. Reinaldo Azevedo é muito inteligente e preparado. Ele não facilitou para o Lula. Apesar do tom respeitoso e cordial, jogou todas as cascas de banana que podia jogar.

Lula respondeu tudo o que foi perguntado. Ao fazê-lo, demonstrou que tem domínio das grandes questões econômicas e políticas do Brasil. Apesar da idade, tem memória privilegiada. É muito inteligente — chega a ser covardia compará-lo com Bolsonaro. Citou vários eventos políticos e dados econômicos sem cometer erros.

A entrevista começou com Reinaldo indagando a Lula sobre sua experiência de 580 dias de prisão. Lula explicou que podia escolher entre o exílio e a prisão. Ele tinha a opção de se refugiar em uma embaixada ou em vários países amigos. Escolheu ficar e lutar para provar sua inocência. Disse que fez isto pensando nos netos.

Lula mostrou, na entrevista, seu perfil centrista e conciliador. A maior injustiça que se pode fazer contra Lula é chamá-lo de extremista. Ele lembrou seu histórico de tolerância com a imprensa e sua capacidade de dialogar com todos os partidos. Reinaldo disse que passou 13 anos batendo no PT e nunca perdeu um emprego por isto, mas que perdeu 3 empregos por criticar a Lava-Jato.

Lula explicou que sua vitória eleitoral em 2002 foi resultado de uma aliança entre o Capital e o Trabalho. O PT tinha perdido 3 eleições porque só tinha tido 30% dos votos. Para ganhar a eleição, o PT precisou se aliar com o empresariado, representado pelo vice José de Alencar.

Lula esqueceu de dizer que escolheu os empresários errados. A aliança deveria ter sido com o Capital Produtivo, não com o Capital Financeiro. Deveria ter apoiado a industrialização e desencorajado o rentismo. Esqueceu também de dizer que, no primeiro mandato, escolheu o Ministro da Fazenda errado.

Antonio Palocci, formado em Medicina, esteve envolvido em irregularidades na Prefeitura de Ribeirão Preto. Nomeado Ministro da Fazenda, declarou que não existiam alternativas ao neoliberalismo. Tornou-se o queridinho dos banqueiros. Posteriormente, foi a delação premiada de Palocci — na qual nem os procuradores da Lava Jato acreditavam — que mudou o jogo eleitoral a favor de Bolsonaro. Ela foi vazada criminosamente por Sergio Moro e divulgada com enorme destaque pela TV Globo semanas antes da eleição.

Falando em Moro, Reinaldo voltou a denunciar a ausência de provas na sentença que condenou Lula. Crítico duríssimo do PT, Reinaldo Azevedo inventou os termos petralha e esquerdopata. Ele foi o único jornalista de direita do Brasil a entender, desde o início, a gravidade do que Moro e a Lava Jato estavam fazendo.

Eles vazaram ilegalmente trechos seletivos de delações premiadas, envenenando a população com apoio da mídia. Perseguiram de forma ilegal e condenaram sem provas um desafeto político. Semearam o ódio e o fascismo pelo Brasil afora. Elegeram Jair Bolsonaro.

A Globo tentou vender Sergio Moro como um juiz probo e imparcial. Mas ele usou a magistratura como escada para o Ministério da Justiça. Como ministro, ficou 15 meses a serviço de uma família que enriqueceu com rachadinhas, ou seja, roubando dinheiro público. Mostrou interesse zero em combater a corrupção de seus aliados. Apoiou as agressões de Bolsonaro à Constituição.

Enquanto esteve no poder, o PT foi mais neoliberal do que desenvolvimentista. O Partido dos Trabalhadores aderiu à agenda neoliberal — Dilma muito mais do que Lula. O PT encheu os tribunais, especialmente o Supremo, o TCU, as estatais e as agências públicas de economistas, juristas e técnicos com perfil pró-mercado.

Os dois presidentes petistas não perceberam que o neoliberalismo é uma doutrina reacionária, concentradora de renda e hostil às causas dos trabalhadores. Nunca perceberam que, ao nomear neoliberais para tudo que era cargo público, o PT estava criando as serpentes que iriam envenená-lo.

Lula não falou mal da Dilma. Provocado por Reinaldo, Lula foi muito leal. Explicou o porquê de a ter escolhido como sucessora — uma mulher com incrível capacidade de trabalho. Na minha modesta opinião, Dilma foi um grande erro de Lula. Ele pelo menos criticou as gigantescas renúncias tributárias que Dilma concedeu a empresas, um equívoco ampliado por Temer e Bolsonaro. As renúncias somaram 1,1 trilhão entre 2016 e 2020.

Mas Lula esqueceu de mencionar que a economia brasileira saiu do trilho em 2015 porque Dilma abraçou o ultraliberalismo. Ela entregou o Ministério da Fazenda para o Chicago boy Joaquim Levy após as eleições de 2014. Levy aumentou os preços administrados e tentou introduzir o austericídio fiscal no início de uma fase recessiva. Provocou, ao mesmo tempo, inflação de custos e recessão. Dilma perdeu o apoio popular.

Lula falou muito bem sobre a pandemia. Mostrou entender a gravidade da crise sanitária. Fez críticas ao isolamento internacional do Brasil, resultado da truculência de Ernesto Araújo. Disse que a pandemia justificava a realização de uma reunião do G20. Ele lembrou que, durante sua gestão, o Brasil era um país respeitado internacionalmente — o que é verdade.

Em um dos momentos mais felizes da entrevista, Lula defendeu o Auxílio Emergencial de 600 reais. Lembrou que a meta mais urgente do governo deveria ser evitar que o povo passe fome por conta da pandemia. Defendeu de forma convincente o argumento keynesiano de que o consumo dos trabalhadores gera renda e aumenta o lucro dos empresários.

Reinaldo Azevedo tentou impor à Lula suas simpatias em relação às privatizações. Lula não entrou na conversa. Soube realçar a importância estratégica das estatais como indutoras do desenvolvimento econômico. Não concordou em privatizar nenhuma empresa estatal, mas revelou sua preferência por transformá-las em empresas de economia mista, desde que o Estado retenha sua influência no processo decisório.

Por outro lado, Lula não denunciou a privataria de Paulo Guedes com a devida indignação. Ele esqueceu de dizer que Bolsonaro está se desfazendo do patrimônio público de forma criminosa, sem licitação e com a cumplicidade dos ministros neoliberais que o PT botou no Supremo e no TCU. Tenebrosas transações foram e estão sendo realizadas em prejuízo do Banco do Brasil e da Petrobras, entre outras. Alguns dias atrás uma refinaria na Bahia foi vendida por menos da metade do preço de custo.

Lula defendeu a volta dos investimentos públicos para tirar o país da longa fase de estagnação-ou-recessão. Reinaldo, provocou, insinuando que o governo não tem dinheiro para tanto. Lula respondeu muito bem, dizendo que há, sim, muita margem para aumento do endividamento público. Poderia ter dito também que países com soberania monetária podem se financiar, durante fases recessivas, com expansão monetária (mas isto seria querer demais).

Minha principal frustração com a entrevista é que ela foi curta demais. Durou apenas 1h20. Ao final o Reinaldo confessou sua decepção por ter deixado de fora muitas perguntas importantes.

Acho que Lula é um gênio político, mas sua assessoria econômica é acomodada. O discurso econômico do PT não foi brilhante no passado e segue não sendo no presente. O PT governou o país durante 13 anos e não fez uma única reforma econômica estrutural. O partido carece de um projeto de desenvolvimento nacional. O PT segue refém do dogma de que o setor financeiro precisa ser “acalmado”. Na verdade, ele precisa ser disciplinado — e o Banco Central tem poder de sobra para isto.

Se fosse assessor do Lula, eu o teria preparado melhor para responder perguntas de Economia. Existem estatísticas econômicas importantes que Lula poderia ter apresentado em defesa das gestões petistas e não o fez. Acredito que, mesmo sem se desviar do viés neoliberal, existem argumentos mais convincentes que Lula poderia ter usado para defender a política econômica do PT e para criticar a dos governos Temer e Bolsonaro.

Assistir a entrevista do Lula não mudou minha preferência eleitoral para 2022. Vou cravar Ciro Gomes no primeiro turno, como fiz em 2018. Se surgir outro candidato com perfil mais desenvolvimentista, ele terá minha preferência. No segundo turno provavelmente vou votar no Lula.

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Consultor do Senado contesta redução de gastos destinados pelo Governo para socorrer os mais vulneráveis durante a pandemia

Consultor Legislativo do Senado Federal, o economista Mário Lisbôa Theodoro criticou a redução de recursos destinados pelo Governo Federal à população em situação de vulnerabilidade social por conta da extensão – e agravamento – da pandemia da Covid-19 no país.

Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, Theodoro destacou que existem alternativas viáveis para evitar a redução drástica do orçamento previsto para o auxílio emergencial em 2021 – R$ 44 bilhões contra os R$ 300 bilhões gastos em 2020, a partir da mobilização de valores parados em diversos fundos não constitucionais, de uma maior arrecadação de recursos oriunda de uma reforma tributária ou ainda, a política de emissão de moeda adotada, segundo ele, por diversos países durante a crise sanitária.

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A qualidade do gasto público, por Helder Rebouças

Em artigo publicado no Valor, o consultor de Orçamentos do Senado Federal – Helder Rebouças, discutiu os problemas gerados pela simplificação da busca do equilíbrio fiscal pelo simples corte de despesas do orçamento

Segundo Rebouças, essa abordagem deveria ser substituída por avanços que permitam estimativas de impacto das despesas, em nível desagregado, no crescimento e bem-estar, ou seja, uma espécie de avaliação de custo-benefício de cada política pública espelhada no orçamento, considerando seus impactos na sociedade.

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Constitucionalização e Recivilização Constitucional do Direito Civil: um mapeamento atual, por Carlos E. Elias de Oliveira

Em uma imersão nas diferentes abordagens metodológicas do Direito Civil, o professor da matéria na Universidade de Brasília e Consultor Legislativo do Senado Federal – Carlos E. Elias de Oliveira, apontou, em artigo, as principais características do Direito Civil sob a ótica da “Constitucionalização do Direito Civil”, da “Recivilização Constitucional do Direito Civil”  e a da chamada linha intermediária ou indefinida.

Além de descrever o core de cada uma das abordagens, o trabalho indicou a posição adotada por quase 200 civilistas brasileiros – os quais foram, em sua maioria, consultados pessoalmente.

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Destaques no processo legislativo do Senado Federal, por Luciano Henrique Oliveira

Luciano Henrique Oliveira é Consultor Legislativo do Senado Federal

O ‘destaque’ é um mecanismo regimental utilizado no processo legislativo para fracionar partes de uma matéria a ser votada, para deliberação separada dos Senadores, notadamente quando não há consenso sobre o trecho que se busca destacar.

Em artigo, o Consultor Legislativo do Senado Federal – Luciano Henrique Oliveira, apresentou os diversos tipos de destaques existentes no Senado Federal, bem como as regras regimentais que ordenam esse instituto – incluindo o chamado destaque de bancada de partido, que independe da aprovação do Plenário para ser admitido.

O trabalho apresenta ainda diversas questões de ordem decididas pela Presidência do Senado sobre os destaques e o uso do Sistema de Deliberação Remota adotado pela Casa em razão da pandemia da covid-19.

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