Em tese de doutorado, Luís Otávio Barroso da Graça defende natureza jurídica no processo legislativo

O Consultor de Orçamentos do Senado Federal, Luís Otávio Barroso da Graça, defende em sua dissertação a natureza jurídica no processo legislativo, em oposição à sua faceta política mais aparente, e que as violações das regras procedimentais de elaboração de normas são incompatíveis com essa caracterização.

Para embasar sua argumentação, o autor dividiu a tese em três partes. A primeira parte aborda a força normativa das regras aplicáveis ao processo legislativo, navegando por casos dos Estados Unidos e do Brasil.

A segunda trata dos mecanismos de justificação e supervisão. Argumento que existem várias razões pelas quais os legisladores devem obedecer às regras procedimentais legislativas.

E, por último, discute uma situação específica: a promulgação de decretos-leis, medidas provisórias, diretrizes executivas ou qualquer coisa similar, com força de lei, para lidar com emergências.

Acesse a íntegra da tese de doutorado: https://escholarship.org/uc/item/3xp0w140

Leia mais

Helder Rebouças e Alexandre Manoel analisam a regulamentação das emendas parlamentares

Em artigo publicado pelo Valor Econômico, o consultor legislativo do Senado, Helder Rebouças, e o economista Alexandre Manoel, apresentaram um conjunto de sugestões para a regulamentação das emendas ao orçamento, após recente decisão do Ministro Flávio Dino, no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n° 7697.

O que esperar da regulamentação das emendas parlamentares?

Por Alexandre Manoel e Helder Rebouças

A recente decisão do ministro Flávio Dino, no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7697, mantida por unanimidade pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), além de atribuir caráter relativo (e não absoluto) à impositividade das emendas individuais e de bancada estadual, suspendeu a execução dessas despesas até que sejam editadas regras que garantam a transparência e a rastreabilidade dos recursos.

Posteriormente, nota conjunta dos Poderes firmou consenso sobre alguns pontos que serão objeto de regulamentação, referentes à execução dessas emendas. De forma geral, isso diz respeito à evolução exponencial de um montante pago de emendas de R$ 2,4 bilhões (0,04% do PIB), em 2015, para R$ 35,8 bilhões (0,32% do PIB), em 2023.

Essa compreensão do STF sobre a impositividade e moderação na evolução das emendas foi baseada em expresso dispositivo constitucional, que condiciona a execução das despesas a prévio exame de impedimentos de ordem técnica, e reafirma, na prática, que é poder-dever do Executivo não executar despesas de emendas individuais (inclusive as Pix) e de bancadas estaduais em desacordo, por exemplo, com as prioridades das políticas públicas traçadas nos planos de governo.

Até 2014, o poder sobre o orçamento era concentrado no Executivo, de modo que os parlamentares não alinhados ao Planalto tinham dificuldades na execução de suas emendas. Consequentemente, a agenda política seguia sob controle do Executivo, com baixos incentivos às posições discordantes do Legislativo. Nesse ambiente, parlamentares de oposição tinham dificuldade de se eleger.

A natural reação a essa concentração, e o fim do financiamento privado eleitoral, levaram a novas investidas sobre o orçamento, com consequente rearranjo no ordenamento da execução orçamentária. Em que pese a evolução dos valores das emendas no tempo, qualquer comparação internacional dos nossos atuais 0,32% do PIB de emendas requer exame acurado das regras do jogo político-eleitoral de cada sistema tomado como paradigma.

A comparação com o percentual gasto na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, deve levar em conta que quase 80% dos países-membros executam seus orçamentos sob um regime parlamentarista, em que o chefe de governo é nomeado pelo Parlamento e este, naturalmente, não precisa de emenda para exercer algum poder na alocação orçamentária.

Ademais, na OCDE, há também os países que possuem orçamento impositivo, como os Estados Unidos, onde o gestor público é obrigado a executar a despesa que foi determinada pelo Legislativo.

Face ao exposto e, com base na decisão da STF na ADI 7697, apresentamos a seguir um conjunto de sugestões para a regulamentação das emendas orçamentárias, como forma de contribuir no debate:

  • Limitação do crescimento real das despesas das emendas aos mesmos 2,5% estipulados no arcabouço fiscal;
  • Bloqueio ou contingenciamento, devidamente justificado, em igual proporção à limitação realizada nas demais despesas;
  • Emendas Pix (que somaram R$ 21,3 bilhões entre 2020 e 2024): a execução dessas emendas ficaria condicionada à prévia apresentação de um projeto para a aplicação dos recursos pelo beneficiário. Ademais, a classificação dessas despesas seria a mesma adotada pela União para fins de harmonização contábil e controle pelos tribunais de contas. Por fim, os portais de transparência dos entes beneficiários e da União divulgarão amplamente as informações detalhadas dessas transferências;
  • Demais emendas individuais (que somaram R$ 76,4 bilhões entre 2020 e 2024): aqui, a execução dependeria de prévio atesto formal da administração quanto a impedimentos de ordem técnica e aderência da emenda às prioridades da pasta executora. Em complemento, a ocorrência de impedimentos técnicos das emendas seria divulgada nos portais de transparência do governo e comunicada formalmente à Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO), do Congresso. Sugere-se ainda que cada pasta apresente, em anexo ao projeto de lei orçamentária anual (PLOA), suas prioridades de despesas, como forma de colaborar na elaboração de emendas parlamentares;
  • Emendas de bancadas estaduais (que somaram R$ 35,3 bilhões entre 2020 e 2024): propõe-se que a execução dessas emendas esteja condicionada ao exame prévio do Executivo quanto ao caráter estruturante da despesa. A relação de projetos estruturantes de cada Estado, apresentados pelo Executivo estadual, seria um bom roteiro para a elaboração das emendas. Importante também que seja vedada qualquer tipo de alteração nas características das emendas aprovadas no Legislativo, como forma de impedir a sua individualização ou fragmentação;
  • Emendas de comissão (que somaram R$ 23,4 bilhões, entre 2020 e 2024): sugere-se que a sua execução esteja condicionada ao exame prévio do caráter nacional ou regional da despesa, vedando-se qualquer possibilidade de alteração posterior nas características das emendas aprovadas que impliquem individualização ou fragmentação.

A regulamentação deveria ainda, em conexão à transparência e rastreabilidade, adensar, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o explícito princípio constitucional equitatividade orçamentária, a fim de vedar a execução orçamentária com fins discriminatórios, sobretudo em períodos eleitorais.

Ademais, destaque-se que mudanças mais estruturais na engenharia orçamentária brasileira poderão ser alcançadas por meio da aprovação da nova Lei de Finanças Públicas, que substituirá a sexagenária Lei 4.320, de 1964.

Concluindo, a decisão do STF mostra-nos que é possível, dentro das regras constitucionais vigentes, aperfeiçoar o ambiente institucional das emendas ao orçamento, com transparência e rastreabilidade, por meio do exame prévio e criterioso dos impedimentos de ordem técnica, cuja tônica deveria ser analisar a real aderência das emendas às prioridades do planejamento governamental e possibilitar a avaliação da efetividade dos gastos associados. Com isso, haverá moderação, maior competição política e menor ineficiência do gasto público.

Fonte: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/o-que-esperar-da-regulamentacao-das-emendas-parlamentares.ghtml

Leia mais

Consultores Legislativos do Senado discutem a importância da Confederação do Equador nos seus 200 anos

Em texto para discussão, os Consultores Legislativo do Senado Federal, Dario Alberto de Andrade Filho, José Dantas Filho e Vinícius Machado Calixto, analisaram os impactos da Confederação do Equador que completou 200 anos no dia 2 de julho.

O movimento político-militar que se iniciou em Pernambuco e se espalhou por várias províncias do atual Nordeste no ano de 1824, foi parte dos conflitos políticos relacionados com a Independência do Brasil e a consequente criação das instituições políticas de um Estado Nacional recém-criado.

Acesse o texto na íntegra: https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/td332

Leia mais

Ao suspender emendas impositivas, Ministro Flávio Dino cita artigo do Consultor Helder Rebouças

Recentemente o Ministro do STF Flávio Dino, na qualidade de relator da ação, decidiu por medida suspensiva das emendas impositivas do Congresso Nacional, até que exista a formulação de melhores regras de transparência.

Na argumentação de sua decisão, após análise e estudo, resultou na publicação da Medida Cautelar na ação direta de inconstitucionalidade 7.697.

Em seu expositivo, e para sua fundamentação, o Ministro Flávio Dino também citou artigo “Emendas ao Orçamento: há salvação ?”, publicado no jornal Valor Econômico, de autoria de Hélder Rebouças, Consultor de Orçamento do Senado Federal, e doutor em Direito pela Universidade de Brasília.

Consultor Legislativo do Senado Federal Hélder Rebouças

No artigo, em um de seus trechos, Hélder Rebouças instiga a criação de camadas protetivas do recurso público, manifestando que “A adoção desses filtros pelo Executivo, bem como maior atuação da Justiça Eleitoral e do TCU, como aqui proposto, não se traduz em mera faculdade, mas em verdadeiro poder-dever do Estado, que tende a melhorar a qualidade de execução dos gastos das emendas, bem como mitigar riscos de reputação política no Executivo e Legislativo, levando-se em conta, principalmente, as denúncias de desvios e operações policiais, que ganharam a mídia no período recente”.

Veja aqui a Medida Completa do Ministro Flávio Dino:

Leia aqui artigo do Consultor Hélder Rebouças:

Link original do artigo: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/emendas-ao-orcamento-ha-salvacao.ghtml

Leia mais

Consultor do Senado Federal Cesar Rodrigues analisa PEC 65/2023: BC como empresa pública e lawfare

Em artigo publicado no Consultor Jurídico – CONJUR, o consultor legislativo do Senado Federal, Cesar Rodrigues Van der Laan, detalhou a PEC 65/2023. Confira o artigo completo.

PEC 65/2023: BC como empresa pública e lawfare

Tramita no Senado a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 65/2023, com o objetivo de transformar o BC (Banco Central) em empresa pública. Recentemente, a LC (Lei Complementar) 179/2021 o transformou em autarquia de natureza especial, aproximando-o do regime jurídico de maior autonomia das agências reguladoras federais. Na justificação, os autores da PEC alegam que o BC não possui autonomia orçamentária e financeira para garantir a plena execução de suas atividades; e que a recente autonomia formal, concedida em 2021, não é possível de ser materializada sem uma alteração da Constituição que traga uma previsão constitucional de sua autonomia orçamentária e financeira.

Também defendem que o orçamento da autarquia deve ter tratamento distinto do Orçamento Geral da União, uma vez que a execução das funções de autoridade monetária não poderia se sujeitar ao mesmo tratamento e às mesmas restrições aplicáveis à execução das demais despesas do OGU. Além disso, a proposta inova ao prever o uso de receitas de senhoriagem para pagar suas despesas. Senhoriagem é a prática dos antigos reis que, para cunhar moedas de prata e ouro, cobravam um percentual que ficava em seus cofres.

Naquela época, ainda havia lastro em metais preciosos. Porém, no caso atual, a senhoriagem se refere ao fato de reservar parte do papel-moeda impresso pelo banco central para se autofinanciar. É criação de moeda pura. Nesse caso, a atividade de custeio do aparato administrativo se apoia não mais nos limites da tributação e na vinculação ao orçamento público, que dá sustentação ao regime monetário em uma economia de produção.

Aqui, já se pode tecer uma crítica: o viés inflacionário da proposta. Em uma economia monetária de produção, a moeda precisa ser neutra. Nesse sentido, os gastos da administração pública devem decorrer de um rígido controle fiscal, que é um dos pilares da manutenção do valor do Real. Não à toa o BC e seu próprio presidente defendem a necessidade de se garantir equilíbrio de gastos a partir da receita dos tributos, cumprindo as metas fiscais, como um dos pilares do próprio regime monetário doméstico.

Propor o financiamento do BC a partir da simples criação de moeda, desvinculada da produção econômica e da respectiva tributação e custeio do setor público, desvirtua a construção do regime fiscal-monetário do país, que se baseia em parte do valor gerado em riquezas no país para sustentar os gastos públicos. Não há, mais, criação de moeda para pagar despesas públicas, um descontrole que ocorria no país até os anos 1980, e que explica, em grande medida, o processo inflacionário histórico da economia brasileira.

No caso, a proposta envolve um custeio alto do BC, em torno de R$ 4 bilhões. Alternativamente, poder-se-ia pensar em separar uma parte das receitas do orçamento federal diretamente ao BC, constituindo uma exceção à inclusão das despesas de custeio do BC no OGU. Porém, sob a ótica do Direito Financeiro, a opção também contraria o princípio da unicidade orçamentária, insculpido no artigo 165, § 5º, da CF, e que segue uma tradição já posta na Lei 4.320/1964.

Em se tratando de proposição legislativa, é preciso, preliminarmente, questionar a problemática e a realidade subjacente à alteração almejada, que se trata de mudança constitucional sobre matéria relevante para a administração pública federal.

Por um lado, questionamos se há, de facto, um problema a ser equacionado pela PEC e qual sua real natureza. Parte-se da percepção de que o BC, pós-LC 179/2021, já dispõe atualmente de autonomia suficiente para o cumprimento adequado de suas atribuições, com manutenção de suas atividades sem restrições relevantes. A discussão também envolve avaliar se a função do BC justifica o proposto tratamento fiscal privilegiado, e quais as implicações para a administração pública federal.

Restrições fiscais da União e orçamento dual da autarquia

As únicas restrições orçamentárias e financeiras enfrentadas pelo BC se referem a despesas de pessoal e custeio administrativo e investimentos. Tais restrições podem, efetivamente, criar algumas dificuldades para a instituição, como limitações para a contratação de pessoal, restrições na fixação da remuneração dos servidores da instituição, como, de resto, todo o serviço público. No entanto, não se pode sustentar que sejam tão expressivas, ainda mais quando a entidade se encontra em fase de processo seletivo para contratação de mais 300 analistas com salário inicial de quase R$ 21 mil – as provas ocorreram no dia 4 de agosto de 2024.

As restrições orçamentárias do BC são as mesmas de outras autarquias como a CVM e as agências reguladoras, e demais órgãos públicos, que observam a rigidez e controle de gastos da máquina pública federal, de modo consolidado. Trata-se de uma preocupação premente para a União, que se encontra em situação fiscal deteriorada desde 2015, e está atualmente em contingenciamento fiscal. Tais restrições apenas refletem as limitações fiscais da União, bem como a necessidade de alcançar as metas fiscais, como sempre ressaltado em pronunciamentos públicos pelo presidente do BC.

De todo modo, as restrições fiscais são apenas parciais para o BC. Há uma lógica dual do orçamento do BC, que se divide em orçamento administrativo e orçamento de autoridade monetária. O orçamento administrativo engloba os gastos da autarquia que entram na LOA e nos gastos primários da União, e que alcançaram R$ 3,8 bilhões em 2023. Isso segue o estipulado pelo artigo 5º, § 6º, da LC 101/2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que determina a inclusão do orçamento administrativo do BC no OGU.

Já o orçamento de autoridade monetária, que é aquele referente a receitas e despesas ligadas às políticas monetária e cambial, é aprovado pelo CMN, nos termos da Lei 4.595/1964. Este está, portanto, fora da LOA, que já é uma das grandes críticas à política de juros do país, cujos gastos oscilam em torno de 5% do PIB sem restrição ou contingenciamento fiscal algum. Ou seja, independe de qualquer meta fiscal, e mesmo de aprovação pelos parlamentares, além de não enfrentar qualquer restrição de gastos. O arcabouço legal garante, inclusive, cobertura pelo Tesouro Nacional de resultados negativos do BC, nos termos da Lei 13.820/2019. O controle público ocorre apenas por prestação de contas a posteriori ao Congresso, algo de natureza apenas protocolar.

Isso já aponta que a justificação quanto a suposto impedimento de funcionamento do BC e de suas atribuições é pouco aderente à realidade fática.

Problema de facto a ser equacionado pela PEC

A transformação do BC em empresa pública implica a sua não sujeição aos limites de gastos impostos a todos os órgãos da administração pública, nem ao teto de salários no serviço público, com regras de contratação de pessoal e aquisição de bens e serviços mais flexíveis. Isso permite maior autonomia na contratação de pessoal, fixação dos salários de servidores e diretores, e realização de outras despesas de custeio e investimento de forma mais flexível, sem observar as regras de controle da administração federal, que são mais rígidas do que para instituições públicas de direito privado, como os Correios, por exemplo.

Em nossa visão, isso servirá para majorar os salários de membros da diretoria colegiada do BC, que têm remuneração considerada inferior à de diretores de instituições financeiras do setor privado e mesmo de instituições financeiras públicas, como Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e BNDES. Isso tem especial relevância para aqueles diretores (e presidente) que vêm do setor privado.

Questões relevantes

A matéria suscita uma série de questionamentos. O primeiro é se é possível transformar autarquia em empresa pública? A resposta é positiva, apesar de não ser comum, até pela natureza jurídica muito distinta entre os dois regimes. Há o registro da conversão da Casa da Moeda de autarquia em empresa pública pela Lei 5.895, de 19 de junho de 1973. A peculiaridade, entretanto, é que não há função de Estado envolvida, mas efetivamente uma empresa que produz papel-moeda, produto que pode ser, inclusive, exportado para outros países.

1. Precedente para outras agências reguladoras e órgãos da administração pública

A criação de exceção ao princípio da unidade orçamentária significa um precedente para outras autarquias reivindicarem autonomia semelhante, visando a mesma prerrogativa de financiar suas despesas permanentes a partir de receitas próprias. Isso inclui: CVM, Previc, Susep, Aneel, Anatel, ANP, Anvisa, ANS, ANA, Ancine, ANTT, Antaq e Anac.

ambém significa potencial risco de demandas de outros órgãos da administração direta do Poder Executivo (como universidades públicas) e do próprio Poder Judiciário, que tem elevado potencial de obter receitas próprias. Tanto os incentivos para aumento de despesas permanentes como para expansão de receitas podem ser substanciais, com a cobrança de taxas diretamente pela prestação de serviços e que não entrariam mais no caixa único da União.

Isso fortalece também a pauta de outros setores como os militares, que buscam a garantia constitucional de 2% do PIB para seus gastos (atualmente, em 1,4% do PIB, ou R$ 123 bilhões). Pode-se deduzir que o resultado esperado seja a perda de controle sobre o orçamento da União, com a sua fragmentação em várias partes autônomas, com aumento das despesas públicas, sem preocupações com a eficiência e economicidade desses gastos como um todo. Pode-se até sugerir que esse tipo de agenda favoreça, basicamente, grupos seletos de funcionários públicos.

2. As atribuições do BC são compatíveis com a natureza de empresa pública?

BC não exerce especificamente uma atividade econômica, mas presta atividade estatal fundamental. Trata-se de atividade típica de Estado. O BC é executor de políticas públicas delineadas nas Leis 4.595/1964 e LC 179/2021. Em nosso ordenamento jurídico, as atividades típicas de Estado são desempenhadas sob regime de direito público, pela administração direta ou pelas autarquias, neste caso se for recomendada gestão administrativa descentralizada para seu melhor funcionamento.

Além disso, diferentemente de empresas privadas ou mesmo públicas, o BC não objetiva lucro. O BC não explora atividade econômica, como faz, por exemplo, na área financeira, os bancos públicos Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e BNDES, e que justifica um regime jurídico de direito privado para essas instituições financeiras. Não é o caso da autoridade monetária.

Empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias são instituições estatais caracterizadas pela exploração de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços (artigo 173 da CF). Esses bens ou serviços produzidos geram as receitas que irão pagar suas despesas. O artigo 5º do Decreto-lei 200/1967 delineia claramente a diferença de natureza entre os dois regimes jurídicos. Nesse sentido, pode-se concluir por uma incompatibilidade entre o modelo de empresa pública e as atribuições típicas de Estado exercidas pelo BC.

3. Delegação de poder de polícia a pessoa jurídica de Direito Privado?

Juridicamente, o STF já entendeu a viabilidade de delegação administrativa do poder de polícia estatal a “pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Pública indireta de capital social majoritariamente público que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial” (Recurso Extraordinário nº 633.782, do Relator Min. Luiz Fux). Todavia, a Suprema Corte deixou claro que não estava compreendido, nessa possibilidade, o exercício de capacidades normativas, que são essenciais para o BC.

A autarquia regula não apenas a moeda e o mercado de câmbio, mas o sistema financeiro como um todo. De fato, o BC exerce poder de polícia sobre o sistema financeiro nacional, atividade típica da Administração Pública. Isso inclui: regimes de autorização e de resolução, pelos quais a autarquia intervém diretamente na gestão de instituições privadas do sistema financeiro, e quanto ao direito sancionador, no exercício de supervisão prudencial.

4 Outros aspectos

É provável a judicialização pelos servidores do BC de demandas trabalhistas, diante da mudança de regime estatutário para CLT, o que envolverá valores bilionários. Com efeito, a PEC não está lidando com o impacto orçamentário-financeiro em termos previdenciários que derivarão da PEC em sendo aprovada, o que contraria o espírito de responsabilidade fiscal que se tem construído no país desde os anos 1990, nos termos do próprio artigo 113 do ADCT.

Outra crítica é que não há estipulação de teto remuneratório aos novos servidores. O Substitutivo apresentado pelo relator na CCJ prevê apenas um teto global para crescimento de despesas de pessoal e custeio, a ser futuramente definido por LC. Isso significa dizer que haverá limite global para as despesas, mas os diretores e funcionários da empresa pública BC não estarão limitados individualmente ao teto dos servidores públicos.

Conclusão

Como se procurou mostrar, o arcabouço jurídico de sustentação orçamentária e financeira às políticas monetárias e cambial não impõe restrição que justifique a alteração constitucional. O BC não possui constrangimentos para execução de política monetária e cambial, o que contesta a necessidade de transformação da autarquia em empresa pública.

As restrições que observa são apenas aquelas típicas do serviço público. Nesse sentido, a PEC consiste em uma “jabuticaba” que desvirtua a natureza jurídica do BC, que decorre de sua atividade estatal e que não é de empresa. Além disso, constitui perigoso precedente para aprovar novas proposições em desmonte ao regime fiscal federal.

A proposta é clara no sentido de enfraquecer o regime fiscal do país, em benefício dos dirigentes do BC, mas não da administração pública. Rompe-se a unicidade orçamentária e a eficiência da alocação de recursos federais. Além de desnecessária, identifica-se um desacoplamento da justificação com a realidade fática, apontando para uma problemática muito pontual, para aumentar salários dos dirigentes, que sugere constituir caso de lawfare. Há a instrumentalização do Direito sem correspondência com a promoção de eficiência da administração pública ou de outro parâmetro coletivo que aprimore a atuação estatal.

Leia mais